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Artigo - Caldo de cana com pão doce

Hiran de Melo

 

Uma das coisas mais simples e deliciosa que gosto de fazer é ir até a feria e comer pão doce com caldo de cana. Normalmente, essa iguaria é vendida em uma barraca feita de madeira e zinco, na periferia da feira.

 

O caldo é moído na hora, o pão doce é feito em uma padaria mesmo. Tudo sem mistério. Não existe banco ou cadeira para o cliente, é todo mundo em pé. Todo mundo é um exagero da minha parte, pois quase não existem mais fregueses. Com o "todo mundo" quero dizer que até o dono da barraca fica em pé.

 

Para minha tristeza e quase desespero, nenhum dos meus filhos aprecia essa iguaria dos deuses nordestinos. E mais, sem nunca ter uma vez provado, dizem que não gostam. Além disso, botam defeito em tudo que vê. Barraca suja, não há higiene nos alimentos... e tem um tal de barbeiro. Dizem que é um besouro metido a besta que transmite uma doença danada de ruim.

 

Eu é que não vou ficar dando ouvidos, escutando palpites, a esses meninos bestas - da era de ficar o tempo todo olhando só para o celular - mesmo que sejam meus filhos. Prefiro acreditar no meu pai, que sempre me levava até a feira para apreciar as iguarias da terra. Dentre elas: a gelada de coco, de castanha e de amendoim. Tudo acompanhado com pão doce. Bom demais!

 

Mais ainda, radicalizei. Não os levo mais. Eu sou lá homem de ficar levando lições de meninos. Além do mais, se eles estiverem certos sobre a tal falta de higiene, só vão com isso diminuir a minha alegria trazendo preocupações que nunca tive.

 

Todavia, para não falarem que sou mal agradecido, troquei o caldo da feira, pelo caldo clique que é vendido no centro da cidade. Lá tudo é limpeza pura. Não se vê nenhuma mosca pairando no ar ou sentada no pão doce. Aliás, este também não tem. No lugar dele, é oferecido todo tipo de salgado, que nunca vi na minha infância.

 

Trocar o doce pelo salgado, quem lá se viu? Não é à toa que todo mundo está ficando gordo. O açúcar da cana mais o sal dos pasteis, coxinhas, etc... não poderia resultar em outra coisa. Bom, tenham paciência!

 

Levei os meus meninos para apreciarem o novo ambiente e o novo cardápio. Nada adiantou. Continuam sem gostar do caldo que nunca provaram. E, ainda por cima, levantaram uma suspeita sem pé e nem cabeça: disseram que tudo estava aparentemente limpo, mas que, à noite, as baratas e ratos saiam das suas tocas e passeavam por cima dos caules da cana.

 

Viu? É assim mesmo, quando alguém não quer, não adianta melhorar. Pois, a maravilha, o troço para ele, continuará ruim de todo o jeito.

 

São os novos tempos. As pessoas negam tudo que querem negar. A imaginação não há de lhes faltar. Enquanto eu sou de um tempo em que as pessoas acreditam em tudo que querem acreditar, aceitando a vida como ela é, como uma coisa boa. E os riscos à saúde? Riscos sempre hão de existir. E quem é doido de querer uma vida sem riscos?

 

O bom da vida foi sempre ter fé. Não pensar nos riscos, nem acreditar que eles existem para atormentar alguém. Existem por que existem, assim como tudo que existe.

 

É uma grande besteira ficar pensando nisso. Enquanto isso, a vida vai passando, como o trem que passa pela estação sem esperar pelos que sempre esperam e não entram na vida.  Ora, se eu fosse pensar em risco, não teria me tornado pai e eles nunca teriam nascidos.

 

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 14/04/2014