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Artigo - Design: Políticas Públicas como instrumentos de realização de direitos sociais - Parte VI

Wagner Braga Batista

 

 

A noção de cultura advém do cultivo da terra, da geração de condições indispensáveis à sobrevivência humana. A cultura consorcia atividade produtiva com a criação de bens e significados necessários à vida social. As digressões da cultura moderna, a principal delas, a sua banalização e adequação a tendências do mercado, desprezam esta genealogia.

 

A mercantilização da cultura dificulta a compreensão do seu papel formador e transformador. Obscurece a percepção de condições abjetas que degradam a cultura, suas emulações criticas e embotam suas virtualidades criativas.

 

A cultura publicitária e digestiva tornou-se parâmetro,o referencial para a produção e o financiamento. Fonte de captação de recursos e de mercandising,  limita-se ao entretenimento. Articula a diversão com o entorpecimento, utilizando-se de sutis mecanismos de empobreciento cultural e alienação. Sua operosidade consiste em obstruir a educação e o conhecimento da realidade. Consiste em dissimular e esconder adversidades inerentes a estratégias de subsistência, que se reproduzem e se ampliam num universo no qual predomina a expropriação do trabalho e a desigualdade social.

 

Politicas públicas culturais transformam-se em linhas auxiliares deste processo ao estimular a indústria cultural e transferir recursos públicos para viabilizar seus projetos.

 

A diversidade, patrimônio da cultura brasileira, ao invés de ser valorizada como fonte de criação e de emancipação de adversidades, projetadas em autenticas manifestações culturais, é capitalizada como espetáculo da reprodução de vulgaridades e iniquidades. Capitalizada para favorecer a transferencia de recursos públicos para investimentos privados, por meio de operações financeiras questionáveis.

 

Políticas públicas culturais poderiam favorecer o exame e o dignóstico das matrizes da diversidade e da desigualdade social. Estimular ações desveladoras de situações críticas e criar patamares sócioeconômicos que propiciem a valorização e o respeito às diferenças culturais. Esta diretriz, possivelmente, sinalizaria e ofereceria elementos para a  superação de assimetrias e desigualdades sociais. No entanto, políticas culturais no Brasil têm reproduzido o modelo socioeconômico concentrador.

 

A nosso ver, o reconhecimento e o fomento do desenho industrial ou design não podem se desdobrar na  promoção de modismos, de estratégias publicitárias, de deformidades da produção de supérfluos, que contribuem para a mercantilização e a degeneração da cultura brasileira.

 

Políticas públicas são instrumentos de identificação, reconhecimento, efetivação e ampliação de direitos universais. Portanto, a efetivação de políticas culturais devem resguardar estes propósitos.

 

A democratização do acesso e a consolidação de setor cultural não podem ser interpretadas como a disseminação de mecanismos que se limitem à mercantilizar e à banalizar a cultura.

 

A abertura de canais de discussão, de formulação e de fomento de políticas públicas é iniciativa que implica na democratização das esferas de consumo, de produção e de difusão cultural. Remete-nos às condições de produção e  de difusão do desenho industrial ou design. Porém, não se limitam a esta importante tarefa. Incitam a desenvolver cultura democrática sedimentada na crescente participação ativa e consciente dos integrantes deste setor cultural e nos conduz, em última instância, à democratização do aparelho de Estado.

 

Este esforço requer que os processos de escolha, de composição e de atuação de organismos destinados a este propósito, a exemplo dos colegiados, sejam públicos, criteriosos, democráticos, transparentes e seus resultados sejam acessiveis a todos interessados.

 

No caso do desenho industrial ou design esta diretriz, facultará a construção de um espaço de elaboração e de disseminação de proposições socializadoras capazes de converter potencialidades de projetos de produtos em realidades acessíveis ao conjunto da população, propiciando a superação de demandas básicas referentes a utensilios e a melhoria das suas condições de vida.

 

No entanto, cabe-nos advertir que o desenho industrial ou design, ao invés de se afirmar pelas suas potencialidades tem se notabilizado pela produção supérflua, de banalidades descartáveis. A inserção do desenho industrial em política pública de alcance social pressupõe compromisso com o desenvolvimento e a disseminação de bens que sejam, de fato, indispensáveis à vida humana.

 

Ao invés de buscar alicerces em estratégias públicitárias e no fomento do consumo compulsivo que destrói recursos naturais e degrada as nossas condições de vida, o desenho industrial deve ser reconhecido pela capacidade de minimizar impactos ambienteais, de superar adversidades sociais e melhorar o desempenho de artefatos.

 

O desenho industrial ou design pode contribuir para o aprimoramento da cidadania, para o incremento de políticas inclusivas e para o consumo consciente por meio da produção de artefatos. Graças à proficiência técnica de seus profissionais, projetos de produto e a comunicação visual pode se revestir de atributos indispensáveis a uma nova sociabilidade. À cultura democrática, abrangente e integradora, que se habilita a promover a  igualdade sem desconhecer a notável  riqueza da diversidade cultural brasileira.

 

A produção de material de bens de consumo afeta ao desenho industrial ou design é parte de incomensurável acervo cultural.

 

A nosso ver, a formulação e execução de política pública de produção e de consumo de bens culturais consistente e  viável deve estar voltada à efetivação da cidadania. No caso do desenho indutrial ou design, o critério de efetividade está relacionado à capacidade de proporcionar melhores condições de uso de produtos, o consumo consciente de bens, a ampliação de sua vida útil, a redução do desperdício, a eliminação da obsolescência planejada, da poluição visual e das agressões ao meio ambiente.

 

No campo de desenho industrial ou design, não podemos nos limitar à identificação de  oportunidades de negócios e vantagens individuais, incapacitando-nos para reconhecer direitos sociais de todos. Neste enquadramento, políticas públicas serão inócuas. Traduzir-se-ão como expedientes empregados para favorecer meia dúzia de espertos, que se beneficiam  favorecem do acesso e do transito em espaços públicos para obter informações privilegiadas em proveito próprio. Este procedimento não reverte em beneficios para todos, para profissionais e estudantes desta área.

 

Dois desafios se acentuam. O primeiro, elaborar plano setorial capaz de identificar, explicitar e converter situações críticas específicas em soluções viáveis, que propiciem o diálogo, a permeabilidade, a interação e a convergência com projetos análogos no âmbito da política cultural. O segundo, desenvolver projetos e programas, que incorporem especificidades do desenho industrial ou design como fecundos elementos de política cultural, que se propõe a  reconhecer, ampliar e efetivar direitos irredutíveis da população por meio de  sua destinação social.

 

O desenho industrial ou design inscreve-se num cenário crítico desenhado por estratégias públicitárias e pela indução do consumo de supérpluos, ao invés de ludibriar usuários de seus produtos, pode contribuir para pedagogia estimulada pela produção econômica parcimoniosa, pela distribuiçao equitativa de bens e pelo consumo responsável.

 

Este direcionamento tende a consolidar o papel do desenho industrial ou design como atividade que favorece o aprimoramento da qualidade de bens materiais, o consumo consciente de produtos, a melhoria de condições sociais de vida e pode contribuir significativamente para reduzir a degradação urbana e ambiental.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 05/05/2014