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Artigo - O Pai quer que o filho seja feliz

Hiran de Melo


Alguns sacerdotes contemporâneos da Igreja do Livro da Lei, da qual faço parte, aparentemente esqueceram dos limites que separam o profano do privado. E este esquecimento tem gerado uma grande confusão, sem distinção de simples crentes e ilustres sacerdotes, promovendo discussões desnecessárias e sem fim.

 

As fronteiras entre o sagrado e o profano desautorizam, por exemplo, a Igreja de pronunciar-se sobre o registro civil de uma relação estável, como um casamento. Este é um casamento profano - por ser celebrado fora de Igreja. Portanto, não pertence à esfera do sagrado. Apesar disso, os sacerdotes contemporâneos, enganchados em temas sociais, vêm se pronunciando, mesmo sem serem chamados. 

 

Observe que a relação estável entre profanos, mesmo sendo registrada em um cartório como um casamento, não implica que o casal esteja sob a égide do casamento sagrado. Não importando que um juiz, por ter uma formação religiosa, tenha dado um caráter solene, com um viés de religiosidade, ao ato de registro do casamento. Portanto, sobre este casamento civil a Igreja não deveria se pronunciar. Menos ainda se este casamento pode ser dissolvido mediante o instituto do divórcio.

 

O que deve ser defendido como indissolúvel é o Casamento Religioso, pois este é celebrado por um sacerdote que invoca a presença de Deus, como testemunho do juramento de que o casal permanecerá unido para sempre. O que é equivalente afirmar que este casamento foi realizado na forma de um sacramento. Isto é, celebrado por um sacerdote, mas efetivamente realizado em nome de Deus. E, o que Deus une, o homem não pode separar.

  

Todos nós sabemos que a Igreja deve, permanentemente, ser edificada sob a égide do simbólico e, sendo assim, tem como função precípua unir. O simbólico é exatamente o oposto do diabólico - o que desuni. Portanto, a Igreja jamais poderá celebrar o divórcio de um casamento sagrado. Deveria ficar apenas nisso, porque neste ponto não há o que discutir.

 

É mais do que sabido, que sobre este paradigma, a família sagrada se constituiu a base sólida do desenvolvimento social e econômico da civilização das Terras Ocidentais. 

 

Base sólida porque a família sagrada é constituída mediante votos livres dos conjugues, que aceitam o casamento como  uma relação a ser vivida para sempre. Para defender esta família, o que se espera da Igreja é que só celebre casamento entre duas pessoas que efetivamente saibam o que querem. Saibam o significado transcendente do casamento. 

 

Espera-se, também, que a Igreja acompanhe o casal nos momentos de tormentos, porque o casamento sagrado além de transcendente, ele é imanente (é vivido neste mundo). Aqueles em que todos nós passamos e que, se devidamente assistidos, podem se constituírem razões para consolidar mais ainda um casamento, desde que superados à luz dos valores da família sagrada.

 

Todavia, não é isso que se vê no discurso de muitos sacerdotes contemporâneos. Em nome da liberdade, elaboram-se discursos que têm como centro "o Pai quer que você seja feliz". E como se dará tal felicidade? Cabe a cada um descobrir.

 

O novo paradigma abre uma brecha para que a busca da felicidade passe pela dissolução do casamento sagrado. Mas, é claro, não há uma defesa aberta do divórcio, o Clero da Igreja é contrário. Todavia, podemos observar a aceitação do princípio de que cada um seja feliz, ao seu modo, conforme o seu grau de consciência.

 

Penso que a fragilidade como que é feita a defesa do casamento sagrado, se envolvendo na discussão do divórcio civil, dá-se exatamente pela falta de experiência, dos sacerdotes, com o casamento entre um homem e uma mulher.

 

O sacerdote está casado com a Igreja. Ama a Igreja. Entretanto, não sabe o que é amar uma mulher. Além da óbvia diferença, há algo que merece destaque: a Igreja pretende ser imutável com o tempo. Enquanto o ser humano, por natureza, é mutante.

 

Amar o que muda a cada instante, e quando até o amante muda, é muito mais complexo do que amar uma instituição dogmática, centralizada e autoritária. 

 

Quem faz a opção de viver casado com a Igreja sabe com quem estar casando. Enquanto que, quem se casa com um ser humano, só sabe mesmo que este ser é mutante. Hoje é forte e belo, amanhã pode ser fraco e feio; por exemplo. Entretanto, não só o corpo muda. Pode mudar, também, o próprio eu do indivíduo. Visto que a vida ensina, educa e transforma o homem. O indivíduo não é constituído por um sujeito imutável, mas por várias formas de subjetividade. Formas estas que estão em processo de transformação.

 

Então, é apropriado problematizar: Deus, o Absoluto, o que quer dos seus filhos, tão relativos?

 

Os antigos respondiam: "Quer obediência a Sua Vontade".

 

E qual a Vontade Divina?

 

Os antigos respondiam: "Que o filho esteja voltado ao Pai".

 

E os filhos contemporâneos, o que respondem?  - "O Pai morreu". Então, de um Pai morto só se podem dizer, mesmo, é que a Sua última vontade seja que os filhos sejam felizes. Assim, parece pensar alguns sacerdotes contemporâneos.

 

E não perguntem a eles o que é a tal felicidade. Vale como resposta, a dada pelo poeta que já morreu: "que o  casamento seja eterno, enquanto dure". 

 

Por fim: na origem do cosmo, segundo o Livro da Lei, do nada Deus tudo fez. O fez sem que Ele tenha sido feito de qualquer outra coisa, ou por alguém. Então, Deus era o Nada. E sendo o Nada teve a liberdade de tudo fazer conforme a sua vontade. E cada coisa criada assumiu a forma do ser que Deus escolheu. Entretanto, apenas a uma destas criações, ou criaturas, ele fez a sua semelhança. Não é à toa que os sacerdotes contemporâneos afirmam que o Pai quer que o filho siga a sua natureza do Nada, e não à natureza do ser. Ele não é por nascimento, mas ele constrói a sua vida com as escolhas feitas ao longo da sua própria existência.

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 02/07/2014