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Capes vai avaliar caso de estudante com deficiência aprovada no Ciência sem Fronteiras

Aluna foi aprovada em programa de intercâmbio, mas não pode ir sem acompanhante

Acostumada a superar obstáculos, a estudante de Biologia na PUC-MG Aline Castro se deparou com uma nova barreira. Diagnosticada com atrofia muscular progressiva tipo 2, doença congênita que prejudica sua locomoção, ela foi aprovada no edital 156 do programa Ciência Sem Fronteiras (CsF) para a Universidade do Kentucky, nos EUA. Mas a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) negou recursos para sua mãe acompanhá-la. Com ida marcada para agosto, a menina já pensava em desistir do seu sonho, mas, procurado pelo GLOBO, o órgão informou, nesta segunda-feira, que, devido à particularidade do caso, vai analisar o pedido de Aline.

 

O episódio jogou luz na questão dos bolsistas com necessidades especiais no CsF. Os editais do processo seletivo do Ciência sem Fronteiras não preveem os procedimentos a serem tomados em casos de bolsistas que requeiram atendimento especial. No entanto, Aline indicou que tinha a doença ao preencher o Common Application, formulário básico do InstituteofInternationalEducation (IIE), instituição que mantém parceria de intercâmbios com o CsF.

 

- Lá eles perguntavam se eu tinha necessidades especiais. Eu não só respondi que tinha, mas pedi para que minha mãe fosse comigo. Ela cuida de mim desde que nasci. Ela me ajuda no banho, me ajuda a escovar os dentes, me leva todo dia na faculdade e fica esperando a aula terminar para me levar para casa. Enfim, ela era a pessoa ideal para cuidar de mim lá. Eu nunca imaginaria que meu pedido fosse negado - comenta Aline.

 

Mas foi. Antes mesmo de sua aprovação, notícia que chegou em meio ao jogo entre Brasil e México na Copa do Mundo, Aline deu entrada nos procedimentos necessários para a viagem, como vistos e hospedagem. Por não haver consulado americano em Belo Horizonte, a menina veio ao Rio para obter o documento. Ela teria de voltar à capital fluminense para ter em mãos o passaporte carimbado.

 

- Mas não sei se vou mais. Depois que soubemos que minha mãe não poderia ir. Nem passagem nos compramos. Não estou vendo outra saída a não ser desistir - lamentou Aline.

 

A estudante teve o pedido recusado dias depois de saber que foi aprovada. Sua mãe, Rosemary Castro, chegou conversar um membro da Diretoria de Relações Internacionais da Capes, mas sem sucesso.

 

- Ele me disse que se abrissem uma exceção para minha filha, teriam de abrir também para outros 20 mil estudantes com necessidades especiais que já se candidataram no programa - alegou Rosemary.

 

Em sua conversa com um funcionário da Capes, Rosemary propôs ainda de que o órgão financiasse a ida por apenas os 30 primeiros dias, a fim de que ela pudesse instruir enfermeiros locais sobre como cuidar de Aline:

 

- Eu fico com minha filha há mais de 20 anos. Sou a pessoa que mais sabe do quê ela precisa, e quando ela precisa. Mas eles querem que ela se vire lá no exterior. Minha filha não é mercadora para eu despachar em aeroporto - desabafou.

 

O irmão mais velho de Aline, Cláudio Henrique Castro, de 25 anos, também foi diagnosticado com a mesma doença. Com o esforço da mãe e com sintomas mais moderados que o de sua irmã, Cláudio se formou em análises de sistemas, trabalha na área e ainda faz pós-graduação. A única fonte de renda da família é o pai, empregado na indústria farmacêutica.

 

Para a professora de Medicina da UFRJ, Izabel Maior, Aline tem o direito de viajar com acompanhante aparado pelo Estado. Ex-secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência entre 2002 e 2010, Maior lembrou que o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos de Pessoas com Deficiências em 2008, que prevê a oferta de acompanhantes em programas governamentais para pessoas com deficiência. A legislação entrou em vigor no Direito brasileiro com status de norma constitucional em 2009.

 

- Há também o decreto federal 7.613/11, que prevê o mesmo direito para servidores e colaboradores do governo federal que tenham necessidades especiais e precisam viajar. Então o MEC e o Ministério da Ciência e Tecnologia não podem argumentar que não sabiam disso. Se o governo oferece bolsa, tem que oferecer acompanhante também - defende Izabela Maior.

 

A professora, que também tem deficiência, afirma que o ideal seria o programa Ciência Sem Fronteiras ter uma comissão médica para avaliar cada caso. Se ficar comprovada a necessidade, seria oferecido o acompanhante, o que poderia ser aplicado ao caso de Aline:

 

- Isso já acontece para servidores. Até porque, se essa menina realmente precisar da mãe para as necessidades básicas do dia, ela nem poderia embarcar sozinha no avião.

 

 (O Globo)

 


Data: 22/07/2014