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Artigo - 35 anos da luta pela anistia em Campina Grande

Wagner Braga Batista

 

No dia 10 de dezembro de 1978, 48 presentes em sala contígua ao Auditório do Convento de São Francisco fundaram o Comitê Brasileiro pela Anista, de Campina Grande. Esta iniciativa se somava a outras semelhantes em quase todos Estados e dezenas de cidades do Brasil. Colocava Campina Grande em sintonia com uma campanha que sensibilizou parte expressiva da população brasileira.

 

Após o golpe militar de 1964, o cerceamento de liberdades democráticas e a repressão aos movimentos populares suscitaram a defesa da anistia para atingidos por medidas de exceção. Contudo, esta luta não avançou. Apesar de constar do programa do Movimento Democrático Brasileiro-MDB,  não ultrapassou o plano discursivo. No início da década de 1970, com a escalada de sequestros, torturas e assassinatos de presos políticos, seus familiares, de forma ainda tímida, articularam-se e tornaram públicas denúncias de violações de direitos.  No Brasil e em foruns internacionais ganhou corpo a defesa da anistia.

 

Em 1975, em São Paulo, constituiu-se o Movimento Feminino pela Anistia- MFPA, formado por mães de perseguidos políticos e simpatizantes desta postulação. Teve apoio da Arquidiocese de São Paulo, de grupos confessionais e de algumas entidades de profissionais liberais.  Na concepção do MFPA, a anistia inseria-se em esforço de pacificação e de concilição nacional. Desprezava antecedentes e desenlaces do período ditatorial vigente. Limitada em seu alcance político, esta proposta de anistia teve grande importância, contudo suas iniciativas não ultrapassaram restritos círculos sociais sensiveis a esta causa. A partir de 1976, várias entidades profissionais abraçaram a campanha da anistia associando-a à luta em prol das liberdades democráticas.

 

Em fevereiro de 1978 surge o primeiro Comitê Brasileiro pela Anistia-CBA, no Rio de Janeiro. Em maio, surge sua secção em São Paulo. Estes núcleos de atuação autônomos se multiplicarão em quase todos estados e em muitas cidades do Brasil. Em Campina Grande surgiu ao final do ano de 1978. Esta frente composta por parlamentares autênticos, organizações políticas proscritas, movimentos sociais em formação, militantes, intelectuais, integrantes de vários credos religiosos, entre outros, ampliou e forneceu visibilidade à luta pela anistia. Podemos dizer que o foi o primeiro ponto de convergência de forças políticas alternativas à oposição consentida. Colocou os movimentos de resistência à ditadura em postura ofensiva denunciando suas arbitrariedades e crimes hediondos, os sequestros, torturas e assasssinatos de presos políticos.

 

Em poucos meses, a campanha ganhou densidade crítica e adesão de massas, deslocando-se de manifestações em ambientes fechados para praças e ruas do país. Neste mesmo ano surgem cerca de duas dezenas destas entidades civis, que agregavam pessoas identificadas com a luta pela libertação dos presos políticos, pelo fim das medidas de exceção e intensificavam denúncias das atrocidades cometidas pelos aparelhos de repressão, ainda ativos em nosso país. Colocavam a ditadura militar em postura defensiva, obrigando-a a responder a questionamentos da sociedade civil sobre arbitrariedades e crimes políticos. A campanha pela anistia incorporou influentes organismos da sociedade civil, entre as quais a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Associação Brasileira de Imprensa- ABI, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, entidades de representação de estudantes, sindicatos de trabalhadores, associações de profissionais liberais, entre outros, e se popularizou.

 

Em campos de futebol, teatros, auditórios, bem como nas ruas de grandes cidades ocorreram diversas manifestações públicas pela anistia, ampla, geral e irrestrita. Em paralelo, elites conservadoras e liberais pactuavam com o governo militar a redução do seu alcance, de modo a excluir praticantes de ações que resultaram em mortes. Paradoxalmente, a lei que estipulava os crimes de sangue utilizou-se da figura jurídica dos crimes conexos para absolver integrantes do aparelho repressor, responsáveis por práticas hediondas, sequestros, torturas e assassinatos de presos políticos.

 

Este amplo movimento social refluiu após a sanção da lei da anistia nº 6683, de 28 de agosto de 1979, porém não se exauriu. Desdobrou-se em campanhas pela apuração das torturas e assassinatos de presos políticos. Disseminou em correntes democráticas a sensibilidade para a defesa de direitos humanos inalienáveis.

 

Podemos dizer que a Lei nº 9140/95, que reconheceu a  morte e o desaparecimento de presos políticos, e a Comissão Nacional da Verdade, instituída em maio de 2012  pela Lei 12528/2011, e suas ramificações em unidades federativas e em diversas instituições são frutos desta campanha.

 

Ao longo da década de 1970, verificamos a ascensão de movimentos sociais. Lutas de resistência se ampliaram. Deram lugar a movimentos de defesa de direitos humanos, que ainda se manifestam contra violações sistemáticas e exigem a apuração dos crimes hediondos paraticados pela ditadura militar.

 

Esta campanha deixou-nos precioso legado político e cultural. Após 35 anos da anistia restrita aprendemos a valorizar a democracia substantiva, que não se limita à participação eventual em processos eleitorais.  Ajudou-nos a desenvolver sólida cultura de direitos humanos,  que inibe desigualdades sociais, discriminações individuais e práticas odiosas.  Estas plataformas são indissociáveis da denúncia das limitações da lei da anistia excludente que legitimou violações imprecritíveis. Portanto, exigir a punição de responsáveis por crimes contra a humanidade é aprofundar a defesa de direitos sociais inadiáveis.

 

Neste dia 28 de agosto, no Auditório do Centro de Humanidades, da UFCG, estão sendo realizadas programações alusivas à luta pela anistia, pelos direitos humanos e pela democratização da universidade.

 

 

Wagner Braga Batista foi Presidente do CBA  Campina Grande


Data: 28/08/2014