topo_cabecalho
Artigo - Quando o ser que habita no homem parte

Hiran de Melo

 

 

Penso que, em geral, quando um homem morre o ser que nele habita parte e o ter fica como herança. Todavia, os verdadeiros herdeiros são os que guardam na memória os feitos e ditos do ser que partiu. H.M.

 

Quando um filho parte para outra cidade, em busca certa de uma melhor qualificação profissional; e, em consequência, de um melhor ganho financeiro futuro, ou qualquer outro motivo semelhante, os pais choram. Choram mesmo sabendo que esta partida é para o melhor. Choram simplesmente pela dor da separação. E, não há de haver razão maior.

 

Da mesma forma, semelhantemente, quando o pai parte para outra cidade, em atendimento  a uma determinante que não lhe é possível escapar. Mesmo que volte no dia seguinte, os filhos também choram. Choram em função do distanciamento físico do ser que se ama. Choram a dor da separação.

 

Por mais que essas imagens invocadas possam dá uma ideia da dor, não há como imaginar, o quanto é grande o sofrimento advindo da separação, provocado pela partida do pai para um lugar distante, de localização incerta, e para sempre. Ele não mais voltará, todos sabemos.

 

De localização incerta, é verdade. Todavia, todos nós sabemos, também, que um dia lá chegaremos. Assim como todas as gotas da chuva, que banha o chão da terra, um dia chegarão ao oceano. Assim, também, todos nós um dia chegaremos à Casa do Pai; a infinita Imensidão aguarda todas as finitudes que lhe pertence.

 

Todos sabemos, todos compreendemos, que a partida é inevitável, e é para o melhor. Todavia, choramos. Choramos porque sofremos, sofremos porque amamos aquele que parte. Todos os filhos choram a partida do pai. E como eles, choram os familiares que ficam, todos os ente queridos, todos os amigos; e com eles chora, também, a bem amada.

 

Em uns a dor leva a um choro sonoro, longo, desesperador, e com isso, chama, amplia o choro dos demais. Não há como escapar do aperto no coração e das lágrimas  que manifestam a emoção tão trabalhosamente contida.

 

Em outros a dor leva ao oposto, a um choro interior, que se apresenta como uma serenidade celestial. Mas, não se enganem, esta dor é, talvez, até maior. Nunca menor. E, em quem deste jeito sente a separação, muitas vezes o sofrimento se alonga mais do que no outro que se desesperou. Assim é a vida.

 

Pouco sabemos sobre a Casa do Pai, muitos imaginam como seja. Para uns, existe uma porta estreita. Para outros, na Casa do Pai existem incontáveis entradas. Para uns, só existe um caminho e, para outros, os caminhos são múltiplos.

 

Assim, como as gotas d'águas inevitavelmente um dia chegarão ao oceano. Algumas tão puras, quanto estavam ao tocar a terra pela primeira vez. Outras, ao contrário, levando consigo as impurezas das terras que banharam. De qualquer jeito, todas um dia estarão no lugar do qual  partiram originalmente, o oceano.

 

Assim somos nós, os humanos, filhos da Imensidão, todos partimos na direção da Casa do Pai. Não o corpo físico, este pertence à terra, é pó e ao pó voltará. Não a alma, a psique, parte do corpo humano e nele permanecerá. O que retornará ao Pai é a parte dele que habita em nós. E por esta razão tem que retornar, como filho que é, ao Pai.

 

Tenho um amigo, querido amigo, que assistiu a partida definitiva do irmão, mesmo antes de vê o corpo inerte. Sentiu por que a parte divina que habitava nele veio se despedir. Veio à casa dele, veio voando como uma gaivota. E não veio sozinha. Chamou-o gritando alegremente na varanda da sua casa. Provocando a atenção dos que lá se encontravam, e não parou de cantar até que o irmão a viu. Então, ela voou na direção das Nuvens, mesmo a noite tendo já chegado e a lua se demorando a iluminar os Céus.

 

"Meu irmão, um dia quando eu partir virei lhe dá um sinal". E assim, na forma de um ser alado, deu o prometido. Só o amor consente isso... porque é exatamente entre os que se amam que se encontra o lugar a onde o amor habita.

 

(*) Assim falou o amigo Armando Osório de Amorim Pereira. Artigo escrito em sua homenagem

 

Hiran de Melo é professor da UFCG


Data: 04/09/2014