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Artigo - Quisera eu...debulhar em palavras

Saulo Rios Mariz

 

Eu, que sou apenas um Farmacêutico e Professor! Quisera eu ter a alma dos poetas e saber “debulhar em palavras” sentimentos que nos inundam em momentos especiais da vida. Como dizer algo relevante para vocês nesta noite? Desisto de tamanha ousadia! Até mesmo porque, como já cantava o poeta popular:

 

“... só eu sei as esquinas por que passei!”

 

Ninguém mais do que você formando, sabe a exata dimensão da vitória celebrada nesta noite! Ninguém!  Talvez, mãe, pai, irmãos-amigos ou amigos-irmãos, enfim, pessoas mais próximas, talvez tenham uma ideia aproximada do que povoa vossas mentes agora! Principalmente as mães, mesmo aquelas que não estão aqui ou as que sequer estiveram fisicamente presentes ao longo dessa jornada! As mães, de quem tanto se falará amanhã, são uma espécie de materialização do amor incondicional, por isso têm suas próprias dores, principalmente o dilema entre o desejo irracional de nos carregar no colo durante nossas lutas e a consciência de que devem nos deixar tentar voar para que, no momento certo, estejamos aptos a vencer as tormentas da vida!

 

Então, o que poderia vos dizer? Pensei em me render ao lugar comum, embora verdadeiro, de repetir frases como “hoje se completa mais um ciclo de vossas vidas”; “a vida profissional de vocês está apenas começando, muitos desafios virão”. Não! Penso que fugir das obviedades, por mais certas que sejam, é uma maneira de tentar entender os nossos mundos (interno e externo); os quais estão continuamente modificando um ao outro e a si mesmos! Afinal, pensadores como Stuart Hall já apregoaram que, em tempos de pós-modernidade, as identidades não apenas se fragmentam, mas estão em constante transmutação! Mas... se fujo dos “lugares comuns”, quanto mais dos incomuns que desconheço!

 

Como não-pensador que sou, embora pensante, quero apenas dizer, OBRIGADO!

Nós, docentes da UFCG, somos gratos a cada um de vocês que compartilharam conosco um período da história de suas vidas que jamais será esquecido! O maranhense Ferreira Gullar, um dos maiores poetas vivos, da atualidade brasileira (se não o maior), nos diz:

 

...a cidade está para o homem quase como a árvore voa no pássaro que a deixa!

 

Durante esses anos, a UFCG vos foi como que uma cidade natal, uma árvore, aquele local onde começaram a construir um “ninho profissional”. Não duvidem de que, por mais altos que sejam os futuros vôos por vocês alçados, cada um carregará no peito marcas deixadas por essa e nessa Instituição.

 

Os vossos erros e acertos interagiram com os nossos de modo a nos ensinarmos a tolerância, estratégia ímpar para a obtenção de um convívio saudável, para atingirmos a tão sonhada unidade em meio a tanta diversidade essencialmente humana.

 

Agradecemos também por estarem aqui, participando dessa cerimônia, não apenas como quem cumpre uma obrigação protocolar, não seria necessário, existem as procurações não somente para as ausências justificadas, mas também para as desculpas esfarrapadas!

 

Creio que estamos aqui porque ainda acreditamos em uma Universidade Pública, Gratuita e de Qualidade. Uma Universidade que não se rende, mas resiste à política neoliberal precarizante, deliberadamente implantada pela direita brasileira ano após ano; mas também cremos em uma Universidade que não se deixa enganar pela ajuda manipuladora de alguns segmentos da esquerda que tentam se infiltrar em nossas entidades representativas.

 

Obrigado por terem nos ajudado a lutar por uma Universidade que trabalhe não retroalimentando um sistema de castas científicas que exclui a maioria em prol de “ilhas de excelência”, mas que prioriza um Ensino de Graduação e Pós-Graduação de qualidade, onde a Pesquisa, a Extensão e a Gestão estão a serviço de tal Ensino de excelência. Assim, permitiremos a formação de profissionais como vocês; com capacidade crítico-reflexiva suficiente não apenas para atender as exigências do MEC, ou ao perfil do egresso exigido pelo PPC do Curso, ou ainda, as demandas emergências do mercado profissional, mas, sobretudo, possibilitaremos que vocês, profissionais, sejam capazes de atuar como protagonistas, como sujeitos da história, em um processo necessário e urgente de transformação social em nosso Brasil.

 

Caríssimos concluintes... Os tempos são maus! Não esperem facilidades caso decidam cumprir, de fato, o juramento feito nesta noite, exercendo sua profissão de maneira honesta, digna e humanizada! Aquele tempo profetizado por Rui Barbosa, no qual o homem teria vergonha de ser honesto, já chegou! Os valores estão diametralmente invertidos e o que é pior: poucos se incomodam com isso! A falta de educação, de gentiliza, de polidez e mesmo de respeito ao semelhante já não é mais exceção e sim a regra! Atualmente, é mais interessante ser “amigo do Rei”, do que estar ao lado do direito e da justiça!

 

Entretanto, consolai-vos com a lembrança das palavras do Mestre quando do sermão da montanha:

 

“...bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos!”

 

Um agradecimento especial, creio eu, cabe a 1ª turma de formandos do Curso de Enfermagem do CCBS. A turma pioneira, como gostam de ser chamados, e da qual sou Paraninfo! A luta que vocês travaram para concluir esse Curso e se tornarem cuidadores por excelência, foi enternecedora! Encho-me de orgulho por ter dado uma pequena contribuição nesse processo. Vocês e todos os presentes aqui, nessa noite, me ajudam a continuar acreditando na Universidade Pública; vocês não me deixam perder os belos sonhos juvenis que com o passar do tempo parecem querer evaporar da nossa alma!

 

Nesse sentido, também registro meu agradecimento aos Cursos minoritários, como, por exemplo, o de Letras-Francês com a sua única formanda em 2013.2 presente e acompanhada da orgulhosa Coordenadora do Curso. Cursos de graduação que jamais teriam espaço em outro lugar, a não ser em uma Instituição que pode ser adjetivada como “fábrica de utopias possíveis” e que todos conhecemos como Universidade Pública.

 

Basta! É hora de dizer até logo, até a próxima “esquina da vida”!

 

Como sugestão, deixo com vocês uma “molécula” da beleza poética de Victor Hugo:

 

... sede pois como os pássaros, que ao pousarem sobre ramos muito leves, os sentem ceder e cantam! Eles sabem que possuem asas!”

 

Sigamos, pois, associando a lógica estratégica dos cientistas aos sonhos dos poetas. Nosso vôo, mesmo que não nos leve ao cume do monte, por certo nos fará transcender a nós mesmos, contagiando todos ao nosso redor com essa essência vital chamada amor!

 

(Discurso proferido na Colação de Grau, como paraninfo geral das turmas 2013.2, e publicado na Revista Letras Raras da UFCG)

 

 

Saulo Rios Mariz é professor da UFCG

 

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 03/10/2014