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Inmetro adota medidas para evitar desperdício em pesquisas científicas

Estima-se que no mundo os prejuízos cheguem a US$ 6 bilhões em razão de contaminação e erro de identificação de células

 

O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) adotou medidas para evitar desperdício em pesquisas científicas que utilizam cultivo celular in vitro em áreas como biotecnologia e toxicologia. Na prática, foram adotados protocolos para avaliar a qualidade das células utilizadas em estudosin vitro, em terapia celular e ensaios toxicológicos, segundo o coordenador da área de Bioengenharia do Inmetro, José Mauro Granjeiro.

 

Conforme ele entende, a irreprodutibilidade das pesquisas científicas utilizando o cultivo celular in vitro é uma preocupação mundial e gera prejuízos bilionários. Para embasar os argumentos, o especialista identificou 300 mil estudos realizados até agora, utilizando a palavra chave “cell culture” na internet.

 

Desse total, estima-se que 20% dos estudos com células são contaminadas ou não autênticas, representando 60 mil estudos comprometidos.  Na ponta do lápis, Granjeiro calculou que esses desperdícios poderiam atingir US$ 6 bilhões, se considerar um custo estimado em US$ 100 mil em cada estudo.  No Brasil, as primeiras análises do Inmetro identificaram mais de 20% de células contaminadas e de cerca de 6% com erro de identificação.

 

O cultivo celular in vitro é uma ferramenta empregada sistematicamente desde o início do século XX. Mais recentemente, esse método emergiu como potencial estratégia para reduzir o uso de animais em pesquisa científica.

 

Conforme o especialista do Inmetro, os principais fatores que comprometem a qualidade das pesquisas pelo método in vitro são o risco de contaminação de células por micoplasma (bactérias minúsculas), particularmente o Micoplasma orale, “comumente” encontrado na cavidade oral e orofaringe.

 

Risco na identificação de células


Outro elemento fundamental para assegurar a qualidade da pesquisa biomédica, utilizando cultivo celular, disse Granjeiro, é a determinação da identidade da célula avaliada no estudo. Segundo disse, há mais de 50 anos se relata a identificação incorreta da origem das células, cuja taxa de erro é de 20%, aproximadamente.

 

Segundo ele, vários relatos na literatura científica mostram a troca de célula humana por célula de camundongo, por exemplo. Outro exemplo é a identificação de células de câncer cervical (HeLa) como sendo uma célula epitelial intestinal não maligna.

 

“É como se, querendo estudar uma Ferrari, o cientista desmontasse um calhambeque: ambos são carros, mas completamente diferentes”, exemplifica Granjeiro.


Conforme ele avalia, os erros de identificação podem invalidar as conclusões do estudo – resultar em desperdício de tempo e recursos financeiros e, principalmente, contribuir para a “controvérsia na literatura científica e confusão entre os cientistas.”

 

Cuidados na manipulação


A contaminação e os erros na identificação de células, segundo  Granjeiro, decorrem da manipulação de múltiplas linhagens celulares no mesmo laboratório, com risco de contaminações cruzadas. Ao mesmo tempo, as células podem ser rotuladas de forma incorreta durante a manipulação, gerando erros de identificação e, por tabela, irreprodutibilidade das pesquisas científicas.

 

Para Granjeiro,  esses  fatores comprometem o resultado final da pesquisa. “O estudo com uma célula não autêntica, sem saber exatamente a identidade da célula utilizada ou um estudo com célula contaminada, não servem para nada. São tempo e recursos perdidos.”

 

No entendimento de Granjeiro, um dos desafios importantes da Ciência é reproduzir os estudos com células animais.  “Começamos a verificar vários periódicos  internacionais, dentre os quais a revista americana Nature, bastantes preocupados com irreprodutibilidade dos estudos”, disse.

 

“A preocupação é tão grande que a Nature solicita aos revisores dos artigos que procurem identificar especificamente, na metodologia dos artigos que utilizam cultura celular, se o autor do trabalho fez teste de autenticidade e de micoplasma, justamente para aumentar a confiança nos estudos”, acrescenta.

 

Preocupação nacional


O Inmetro passou a dar prioridade a tal assunto a partir do ano passado quando analisou 100 amostras de células – encaminhadas de forma espontânea por alguns laboratórios brasileiros. Do total recebido, o Instituto identificou contaminação em 28% das células, aproximadamente. Enquanto um percentual menor, de cerca de 6%, apresentou células com erros de identificação.

 

“Por isso, é preciso estabelecer boas práticas de cultivo celular e testar regularmente as células no laboratório evidenciando que ela não está contaminada e é autêntica”, recomendou  Granjeiro.

 

No Brasil, os índices estão em linha com os registrados em países europeus, sobretudo na contaminação de células. Conforme Granjeiro, na Europa, estudos publicados indicam níveis de contaminação superior a 25%. Enquanto isso, no Japão estudos publicado em 1981 indicaram taxas de contaminação superiores a 80% das culturas celulares testadas. É o mesmo percentual registrado em estudos publicados no México em 2009.

 

“O importante é destacar que as células que analisamos foram enviadas espontaneamente para estudo, o que demonstra uma preocupação com o tema. Isso mostra, por outro lado, que havia um universo não observado de células que não eram testadas.”

 

O Inmetro começou a atuar em biometrologia em 2007 com a criação da Diretoria de Metrologia Aplicada a Ciências da Vida, com o intuito de contribuir para aumentar a confiança da sociedade nas medidas no que se refere à área de Ciências da Vida. Por exemplo, a quantificação de produtos biológicos colocados no mercado brasileiro.

 

Projeto piloto


O coordenador da área de Bioengenharia do Inmetro informou que o resultado das 100 células analisadas no ano passado serviu de base para criação de um programa piloto do Instituto. Foi a partir daí que o Inmetro passou a adotar testes de autenticidade e de micoplasma para atender a demanda do mercado “dentro de sua capacidade”.

 

Ainda em 2013, o Inmetro realizou  460 análises de células, aproximadamente.  O resultado de todas essas análises não foi divulgado.

 

De janeiro até agosto deste ano foram realizadas 650 análises para detecção de microplasma, superando todo o ano de 2013. Desse total apurado, 30% das células registram contaminação. Conforme a previsão de Granjeiro, o Inmetro deve encerrar o ano com cerca de 1 mil análises realizadas.

 

Produção de kits


Com intuito de disseminar essas análises no Brasil, o Inmetro prevê a realização de treinamentos e testes, sob demanda. A proposta é que os pesquisadores dos próprios laboratórios possam fazer os testes, sozinhos. Segundo Granjeiro, serão distribuídos protocolos “que detalham, passo-a-passo, os procedimentos para os testes”.

 

“Os pesquisadores podem comprar os kits para esses ensaios no mercado nacional e, seguindo um protocolo detalhado, poderão realizar os ensaios no próprio laboratório. Com isso, poderão ter segurança sobre as células com as quais trabalham, verificando se são autênticas e livres de contaminação por micoplasma.”

 

(Jornal da Ciência)


Data: 07/11/2014