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Artigo - Pequenos, mas prestimosos gestos

Wagner Braga Batista*

 

A nosso ver, um dos fatos mais significativos na universidade é a crescente participação social de grupos sociais alvos de preconceitos e discriminações. Superando limitações de períodos em que foram depreciados e estigmatizados em todas esferas da vida social, hoje contribuem, positivamente, para a convivência em patamar mais elevado.

 

Reside neste comentário uma auto-crítica proferida por alguém que tratou com ironia opções sexuais, tão legitimas quanta as suas opções políticas, ainda hoje detratadas e discriminadas por forças conservadoras. Com isto, sugerimos  que mesmo discriminados também padecem deste desvio de conduta, que  tratam com desdém aqueles que não comungam com suas idéias e nem são portadores de suas opções. Aí estão raízes de preconceitos e ignomínias que se alastram pela sociedade, graças ao obscurantismo e a idiossincrasias tolas.

 

Recentemente, tivemos oportunidade de privar com integrantes de um coletivo LBGT, que participa do Diretório Central de Estudantes, da UFCG.

 

Num quadro de sérias adversidades,  diante da ofensiva de forças conservadoras,  que atuam dentro e fora da universidade, integrantes deste grupo deram a cara ao tapa, não temendo o enfrentamento na luta contra o retrocesso político. No dia a dia, honesta e corajosamente, vem lutando contra os estigmas que lhes são aplicados.

 

Isto dito, manifestamos o entendimento que um dos fatos sociais de maior relevância na semana passada foi o desfecho de plebiscito na Irlanda. País eminentemente católico, aprovou o casamento gay por 62% dos votos. Coroa a benção de Francisco a este amplo contingente social. Serve como contraponto à tendência, observada no Brasil, na qual grupos confessionais apostam em emulações e se dedicam ao esbulho, valendo-se do nome de Deus. Sem pruridos de qualquer natureza, comercializam franquias de igrejas, apostam na criminalização de menores e homoafetivos e atuam como verdadeiros chantagistas para transformar a prática legislativa em aviltante ação entre amigos, a exemplo da construção de shopping na Câmara Federal, aprovada pelo voto de 273 deputados, ao custo de 1 bilhão de reais, em paralelo à discussão deste aberrante ajuste fiscal, que retira de quem pouco tem para salvarguardar grandes fortunas e altas taxas de lucro de agências financeiras.

 

A Irlanda despoja-se de preconceitos e de visão mesquinha, que dificultou o ecumenismo, a atualização e o diálogo entre correntes de pensamento seculares e religiosas. Contribui, deste modo, com o processo de aproximação e entendimento entre povos e grupos sociais diferenciados, indispensável para barrar a insanidade da violência e da corrupção que se alastram no mundo atual.

 

Neste contexto, dominado por tendências regressivas, que procuram eliminar conquistas sociais, a defesa da consolidação e ampliação de direitos humanos, inalienáveis e inadiáveis, torna-se uma trincheira democrática no embate contra o conservantismo e o retrocesso. No entanto, pouco enxergamos nestes tempos sombrios, principalmente dentro da universidade

 

Elegemos as corujas para tratar deste. Posto que, metaforicamente, são signos de sabedoria.

Maurice Thorez, diante das limitações impostas à atividade política, desde a censura à prisão, advertia que comunistas tinham que adquirir a habilidade das corujas, arrancar luz das trevas e enxergar na escuridão. Só assim poderiam intervir em tempos de supressão de liberdades e direitos civis.

Sob outro prisma, deparamo-nos com dimensão deste olhar. Em crônica de Luiz Fernando Veríssmo, como de hábito, bastante lúcida e sagaz, o autor recomenda que as corujas despertem e voem mais cedo para aproveitar a luz do dia.

 

Intitulada “A coruja atrasada” ( O Globo, domingo, 24 de maio de 2015 URL: http://oglobo.globo.com/opiniao/a-coruja-atrasada-16241260 ), fala-nos da incapacidade de filósofos e pesquisadores sociais interpretarem a realidade presente. Remete-nos à figura do voo da coruja de Minerva, para ensejar um novo olhar sobre o momento presente.

 

Este é um tema controverso. As luzes que iluminam, muitas vezes, também nos ofuscam e nos confundem. Assim como escuridão, que dificulta o olhar, muitas vezes contribui para a reflexão silenciosa, serena e madura. Não nos deixa à mercê dos consensos forjados e do entorpecimento da razão, provocados pelas máquinas de produção de saberes e verdades.

 

Para discorrer sobre os limites da apreensão da realidade e da História, neste contexto, Veríssimo retoma duas formulações, que desvelaram o papel transformador do conhecimento na modernidade.

 

A primeira. O conhecimento nos permite não apenas a apreensão, mas também a transformação do que conhecemos. A segunda. Frente ao preconceito, o obscurantismo e a mistificação, que nos oprimem, fustigam e constrangem, o conhecimento e a crítica tornam-se poderosíssimas armas. As idéias tendem a se converter em forças materiais capazes de remover obstáculos que nos impedem de crescer e nos emancipar de situações opressivas.

 

Portanto, o conhecimento, ainda que parcial e limitado de realidade social, tão vasta e complexa,torna-se prestimoso veículo de libertação de grupos oprimidos e discriminados. Não é premonitório, mas ajuda-nos a escapar de armadilhas da História indicando-nos caminhos menos arriscados para a auto-emancipação.

Neste interregno, não nos custa aludir ao velho marinheiro. Sabedor do curso dos ventos, das ondas e do porto para o qual navega, minimiza a imponderabilidade e os tormentos dos mares.

 

Dialeticamente, conclui Veríssimo:

 

Hereges, sodomitas e usurários eram as vítimas preferidas da Inquisição pelo que pensavam e faziam (e judeus só por serem judeus) (...) Hoje hereges escrevem best-sellers sobre a inexistência de Deus, a opção sexual de cada um só diz respeito a cada um e a usura legalizada, agora chamada de capital financeiro, domina o mundo. (...)  Ateus se arriscam a serem xingados por crentes mas não mais a serem queimados vivos, a união de homossexuais ainda encontra resistência mas tem até a bênção implícita do Papa (...) Como a coruja atrasada do Hegel, que só filosofava sobre uma época quando a época já estava no ocaso, a História pode ser perdoada pelas suas incongruências.”

 

Pequenos gestos podem se revestir de grandes significados. Pequenas inicativas podem se reproduzir e ampliar horizontes de classes e grupos sociais, secularmente oprimidos e excluídos. A História, que dura pouco, mas não tão pouco, jamais será a eternidade das leis, privilégios, estigmas, preconceitos e injustiças, perpetrados pelos que se supõem os donos do poder e das verdades. Estes também não são perenes, como a eternidade e a História.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 25/05/2015