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Artigo - O teatro do absurdo

Wagner Braga Batista*

 

O cenário político brasileiro faria inveja a Arrabal e Ionesco, autores de peças teatrais que esgarçam situações inimagináveis e aberrações da vida real.

 

O que assistimos?

 

Numa cambalhota mirabolante, promessas viram desdém na boca de governantes e o sistemático desprezo pelo interesse público vira profissão de fé de políticos opositores, que jamais tiveram compromissos reais com a vida do povo.

 

Por ironia do destino, os governos de coalizão transformaram-se num lamaçal, onde chafurdam beneficiários de acordos realizados às escondidas. Indispensáveis alianças para viabilizar projetos sociais desfiguram-se. Dão lugar à formação de blocos heterogêneos, amorfos e hediondos, que ignoram  identidades políticas e programas partidários. Seu objetivo é um só, o butim articulado e propiciado por indicações e nomeações para gerir instituições e orçamentos  públicos. Deste modo, alianças e compromissos públicos degeneram-se em sua antitese. Em projetos de poder residuais, que proporcionam prerrogativas e benefícios restritos para partícipes de acordos espúrios que desqualificam democracia, a política e  partido vigentes.

 

Governos de coalizão se reproduzem-se no compulsivo processo de fagocitose de seus  integrantes, aliados e simpatizantes. Devoram a tudo e a todos para abrir mais espaços para o fisologismo político. Geram a imagem da canibalização da democracia, da política, da ética e do direito social, empreendida por aqueles que deveriam salvaguadá-los.

 

Esta cultura se dissemina e, também, penetra outras instituições da sociedade civil. A exemplo, de universidades e entidades de representação de trabalhadores, movidas a diárias, passagens aéreas e quentinhas, a depender do escalão. Estes procedimentos são patrocinados com fundos financeiros coletivos, duramente constituídos em conjunturas adversas.

 

A cooptação está na ordem do dia. Converte-se na mola mestra de estratagemas que amesquinham e reduzem a atividade política à busca de poder e privilégios restritos, a trocas indeclináveis, com altos custos para aqueles que são prejudicados por estas práticas espúrias.

 

Neste contexto, alguns apelos tornam-se vazios. Sem eco na população, que se dá conta destas aberrações.

 

Há enorme hiato entre o discurso e a prática de governos, agentes do poder judiciário e parlamentares.

Vejamos. Responsabilidade e a austeridade administrativa são essenciais para o fomento e consolidação de projetos sociais e políticas públicas. Porém, de que austeridades estão falando? Certamente, não se trata deste adjetivo colado artificiosamente no maior corte orçamentário da História do país. No ajuste fiscal, que subtrai dos mais pobres para premiar os mais ricos.

 

O maior corte do Orçamento Geral da União incide basicamente sobre serviços públicos e direitos de camadas sociais mais desfavorecidas. Mantém intactos interesses de grandes grupos econômicos, do capital financeiro e grandes fortunas. Ou seja, preserva especuladores  que não hesitam, nas situações de crise, em apostar no agravamento das condições sociais de vida. Ignora mecanismos de cooptação e clientelismo largamente empregados para propiciar  milhares de nomeações e cargos comissionados a apaniguados que despendem bilhões de reais dos cofres públicos. Não afeta a sonegação praticada por estes segmentos, estimada em mais 200 bilhões até o mês corrente neste ano.

 

No pacote do desajuste social, os setores mais afetados são a saúde, R$ 11,8 bilhões, a educação, R$ 9,4 bilhões, a moradia e a mobilidade urbana, 25,7 bilhões,  entre outros. A facada é grande. O desenvestimento e o clima de temor resultaram na redução de 123 mil empregos formais. A desregulamentação de direitos trabalhistas, por meio da terceirização, agravará ainda mais as condições dos que estão submetidos ao trabalho precário e ao desemprego.

 

Fala-se em austeridade, em ajuste fical, porém não há limites para o bacanal parlamentar.

São raros os questionamentos às regalias de seus integrantes. Mais rarefeitas ainda são as críticas ao aumento do Fundo Partidário. Por meio de esteróides e anabolizantes, cresceu de R4 289,5 milhões para R$ 867,5 milhões. Coisa pouca para quem se beneficia desta orgia. No embalo, para serem fiéis aos costumes, plantam uma casa de tolerância no legislativo. Um espaço para atender conveniências de Suas Excelências : um shopping. Financiado com recursos públicos, R$ 900 milhões, para facultar empreendimentos e negócios privados no parlamento.

 

Lascívia e soberba, tão despudoradas, tampouco constrangem alguns juízes- entre os quais, aqueles que percebem mais de cem mil reais - a pleitear ajuda de custo para o estudo de seus filhos adultos e deputados federais a defender o pagamento de passagens áreas para seus conjuges com recursos públicos. Nada de mais.

 

Afinal, Renan Calheiros, pediu-  e obteve -pagamento de pensão para uma de suas companheiras a uma empresa privada. Para não ficar atrás, apelando às virtualidades da terceirização, o atual presidente da Câmara, valeu-se de seus laranjas, para ameaçar e chantagear empreiteiras para obter alguns trocados. Este é o decoro indecoroso consagrado por parcela expressiva de integrantes dos poderes republicanos.

Esta é o teatro do absurdo que não reserva espaço para o protagonismo das massas alijadas de decisões políticas. Que celebra a estratégia da cooptação, selada na base do toma lá da cá, num crescendo. Que exigiu, e exige, novos e tortuosos atalhos legais para mantê-la.

 

O regime de cooptação, metamorfoseado numa anomalia, fatiou poderes públicos. Permitiu que verdadeiras gangs anulassem conquistas democráticas e se assenhorassem de espaços abertos pelas lutas em defesa da democracia, anos atrás. Estas gangs, que se negam a regulamentar direitos previstos na Constituição, hoje se apressam em anulá-nos por meio de artificios inclusive lesivos. Deste modo, as chamadas instituições republicanas se deterioram para suprir a ganância, veleidades e vícios de grupos, que se apossaram da esfera pública como se fosse play ground reservado para suas traquinas.

 

Amanhã, dia 29 de maio, várias iniciativas de movimentos sociais e entidades de representação de trabalhadores, em todo país, estarão denunciando este descalabro. Possivelmente, ainda não tenham a imediata repercussão desejada.

 

Configuram a retomada de um movimento amplo para por fim a este teatro do absurdo. Impõe a crescente reação de todos segmentos da sociedade a medidas que atentam contra a democracia, a dignidade humana, as condições de vida da maioria da população e direitos sociais inalienáveis e inadiáveis.

 

NOTA: Afastados de Campina Grande, soubemos dos falecimentos do motorista Belmiro e do colega João Queiroz. Recorremos a esta pequena nota para manifestar nosso grande apreço a estes dois amigos, o sentimento de perda e os votos de condolências para seus familiares.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.

 


Data: 28/05/2015