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Artigo - O preço da vida

Wagner Braga Batista*

 

No ofuscante mundo dos negócios na América do Norte costuma-se mensurar homens e mulheres pelo seu patrimônio.

 

Sob este viés, pessoas são associadas e identificadas por meia da pecunia. Pela grana alta que dispõem. Diz-se, fulano vale um milhão de dólares, beltrano 200 mil dolares. Sicrano, seja um homem de negócios em tempos de vacas magras ou um pé-rapado, neste ambiente opulento e  lúbrico, corre o risco de não valer coisa alguma.

 

A plutocracia transforma o dinheiro em principal referencia.  Define o  quanto valem e custam seres humanos. Por este ângulo, o valor de cada um de nós é  aquilatado e estabelecido como  preço da carne do boi, do chuchu e do quiabo. Regulada por flutaçôes do mercado, a vida humana torna-se um item desta bolsa de mercadorias.

 

Apesar de inaquilatável, adequa-se à oferta e à procura, sujeita a depreciações e à valorização, comporta-se como ações preferenciais ou ordinárias. Neste jogo de azar, as performances dos que foram lançados no tabuleiro, sem dúvida influem. Frente ao humor do mercado, ascendem os que são suscetíveis a conviver harmoniosamente com suas mazelas. Que revelam comportamento submisso, desempenho colaborativo, capacidade de bajulação, habilidades inconfessáveis para o dedurismo e maestria como capatazes. Estes sobem na vida, gerenciam outras vidas, com menor cotação na bolsa de mercadorias.

 

Na economia de mercado, a vida humana mostra-se tão vulnerável e perecível quanto  batatas, cebolas e tomates. Se não agrada aos que a consomem, pode ser descartada. Deste modo,  deteriora-se socialmente. Este modus faciendi é explicado pelo direito original e pela lei natural das coisas, que transforma leis, natureza e trabalho alheio em patrimonio dos que fazem as leis, justificam sua iniquidade e se apropriam do que julgam lhes pertencer.

 

No Estado de São Paulo, icone da opulência economica, adolescentes trabalham em casas de festa, até altas horas, em troca de restos de comida. Crianças, de 9 anos, são flagradas nestes locais que dão nome à operação espetaculosa, lavando automóveis em tempo de falta d´água pra ganhar “cinco mil réis” . ( vide  De lavoura a bufê, trabalho infantil tem quatro flagrantes por dia em SP URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/222868-de-lavoura-a-bufe-trabalho-infantil-tem-quatro-flagrantes-por-dia-em-sp.shtml)

 

 Nesta economia exuberante, por vezes a vida humana se assemelha ao desempenho de artefatos da moda. Oscila e bruscamente se apaga. Desaparece. Ora sob a luz, ora na escuridão na imprevidência e de leis inócuas. Como bem superfluo, quando se exaure o valor simbólico que lhe atribuem os que a manipulam e a exploram,  é descartada. 

 

Assim, homens e objetos se equivalem nesta artificiosa paridade, que rebaixa vidas colocando-as no mesmo patamar de coisas inutéis. Culturas, éticas, convicções e crenças seguem o mesmo caminho, a mesma lógica instrumental. São lançadas au rez de chaussée, para que sejam vistas e luzam somente quando oportuno. Quando se tornem atraentes para estratégias de marketing, viabilizem oportunidades de negócios e empreendimentos politicamente corretos. Ou seja, vantajosos.

 

Na economia de mercado, a vida humana e acúmulos culturais só se tornam relevantes  quando se prestam a dinamizar a indústria de escombros, que transforma virtualidades de seres humanos em suas disjunções. Lucros e fracassos, frente à dinamica assimetrica que os produz.

 

Neste cassino global, a vida oscila como qualquer commoditie. É impelida ganancia dos que subtraem seus móveis essenciais e sonegam aos que vivem o direito de viver. Neste enquadramento, a alusão a direitos inalienáveis, parece-nos uma mitologia, uma vez que suas  virtualidades sofrem contingenciamentos de toda ordem, subjugada, que é, por leis da economia, que não são legais, tampouco justas.  Mas, enfim, são as leis que prevalecem, as leis do mercado.

 

Nesta esfera, a vida e o trabalho humano têm preço. Se nos EUA, império do patrimonialismo, homens e mulheres são vistos pelo tanto que valem, no hemisfério de baixo são identificados e explorados pelo que nada valem.

 

A vida e o trabalho humano na periferia do sistema capitalista são sistematicamente depreciados. Deste modo, pouco valem, mas fazem valer empreendimenstos ditos sociais,  sustentáveis e negócios justos.

 

O valor da vida e tão irrisório que os riscos da morte e os elevados sacrificios de seres humanos tornam-se uma constante. Daí, hordas de migrantes que desembocando no nada. Nos desertos da California, em jaulas da escravidão em selvas asiáticas e em naufrágios nas aguas do Mediterrâneo. Dái, os grandes contingentes de desempregados e desvalidos que se transformam em cristalina imagem da indigência plena,  contraface da exuberante moderna economia que terceiriza força de trabalho, institucionaliza relações de produção precárias e salários aviltantes, que sequer permitem reproduzir condições minimas de subsistência.

 

Vítimas de acidentes de trabalho avultam. Sofrem ainda mais.

 

Num país em que a sociabilidade está sendo lançada no fundo do poço, o preço da vida é irrisório, reduzido compulsoriamente por projetos de lei que negam a vida. Que propõem  pena de morte, porte de armas para quem se sente inseguro, inimputabilidade de menores,  precarização do trabalho  e a criminalização dos que defendem direitos elementares.

 

Pois é, no Brasil a vida e o trabalho estão valendo ninharia.

 

Meu amigo Legal, o borracheiro que sofreu bárbaro atropelamento, que decepou sua perna, é uma das vitimas da imprevidência do Estado e do descaso do infrator, que não lhe prestou nenhum auxílio ou indenização. Sobrevive, com sua familia, graças à eventual ajuda de pessoas amigas. Após um ano e seis meses de desatenção, recebeu o seguro- DPVAT.

 

Por meio deste indicador podemos aferir quanto vale a vida em nosso país.

 

Como perdeu uma perda e ficou incapacitado para o trabalho, recebeu R$ 9600. Se

Se tivesse morrido ganharia treze mil reais e uns quebrados.

 

Estes são os preços da vida e da invalidez de quem sempre trabalhou.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.

 


Data: 17/06/2015