topo_cabecalho
ARTIGO - Os charlatães e a pátria entorpecida

Wagner Braga Batista*

 

Ontem lemos artigo no jornal o Globo, de Alfredo Guarischi, intitulado “Pátria adoecida”. O autor, um médico com algumas posições conservadoras, apresenta um quadro composto por sistemas de provisão à saúde em vários países.

 

Assinala : “O financiamento da medicina com a cartelização dos medicamentos e equipamentos que encarecem a cada etapa da cadeia produtiva. Justificar esta distorção pela variação cambial é lorota. Isto ocorre pela falta de uma política de saúde de logo prazo, aliada à corrupção, que não poupa países”

 

De forma cáustica, refere-se ao transito da atividade profissional de uma fase romântica, que primava pelo lema primum non nocere ( primeiro não fazer o mal) para o estágio hodierno no qual o dinheiro e os negócios colocam-se acima da saúde e da vida de pacientes. ( first my money).

 

O artigo é sugestivo. Quando comparamos a operacionalidade de planos de saúde e a expansão do ensino superior no Brasil identificamos homologia causada pela mercantilização da medicina e da educação, responsável pela geração de ilhas de excelência em descompasso com a generalizada baixa qualidade dos serviços prestados à população.

 

O exame desta realidade é delicado, posto que são atividades profissionais diversificadas e  complexas, ainda que tenham aspectos comuns. Este universo não permite generalizações, uma vez que comporta profissionais diligentes, assim como bem sucedidos mercenários. Esta disjunção tanto no campo educacional como na medicina. Graças a estratagemas diversos, a mercantilização de serviços essenciais prosperou. Valeu-se não só de legislação permissiva e do marketing, mas também de sistemas de avaliação precários e corrompidos, que oferecem legitimidade e visibilidade a empreendimentos que degradam direitos sociais elementares.

 

Deste modo, educação e a saúde, indispensáveis à vida e à sociabilidade, bem como outras atividades essenciais, convertem-se em canais para obtenção de vantagens restritas, logradas por meio da subtração de direitos inadiáveis.

 

Pois bem, nesta conjuntura, hipocrisia e estiolanato fornecem estofo à meritocracia vulgar, contribuindo para que pilantragem converta-se em virtude. Charlatães enchem o peito e se sentem como heróis de carteirinha. Figuras carimbadas disputam nossas atenções em redes sociais. Jactam-se de compromissos e performances que não se efetivam. São pouco ou nada  condizentes  com seu desempenho corriqueiro. Esta gente resplandece em ambientes corroidos e obscuros. Pontifica, também, em governos, no legislativo, no judiciário, em empresas privadas, ONGs, entidades filantrópicas e instituições públicas. A seu modo, têm munição para armas de todos calibres. Sãos mestres das piruetas, dançam conforme a música, sempre atentos à bola da vez.

 

No campo da medicina estas deformidades e desvios de comportamento produzem consequências muito graves. Sua incidência é altamente comprometedora, posto que ameaça a vida humana.

 

São estas ameaças que estão sendo colocadas em pauta

 

Recentemente um médico ostentou a imagem de mão sem um dedo. A mutilação celebrada por imagem publicitária simbolicamente caracterizava sua objeção e reação a politicas de governo. Por meio de hedionda ironia, insurgia-se contra governos precedentes e mandato presidencial, obtido democraticamente por meio de voto.

 

Pois bem, médico e senador, Ronaldo Caiado tem um vasto e conhecido currículo político. Sua biografia poderia ser pautada pela arrogância e truculência, incompatíveis com a conduta de um médico. Nela estariam arrroladas ações saneadoras, apelido de crimes praticados por paramilitares e milicias no meio rural,  fomentados pela União Cívica Radical- UDR, entidade que fundou e presidiu. Práticas de trabalho escravo em fazenda de seus familiares. Poderia constar comentário feito em 1989, quando candidato à Presidencia da República. Na oportunidade sugeriu a esterilização de nordestinas, por meio de dosagem de substancia na água potável, depoimento abordado por Fernando de Morais, no livro “Na toca dos leões”. Obra lamentavelmente interditada pela justiça, em sentença que proibe até o questionamento de seu teor.

 

Após sucessivas investidas contra políticas publicas de atendimento à saude, Caiado participou de recente encenação efetivada por comitiva de senadores brasileiros, que intercederia em defesa de presos políticos venezuelados. Seu propósito jamais foi denunciar a violação de direitos humanos com as quais coonesta em território brasileiro. Porém , proveitou o ensejo para distorcer e capitalizar incidentes na sua empreitada. Anunciou um video, de sua autoria, registrando agressões a participantes da comitiva. Interpelado por uma jornalista, ao invés de comprovar sua denúncia, recorreu à habitual soberba, desqualificando-a.

 

Agora, após insofismável manifestação unanime do STF, proibindo a censura prévia de biografias, este senhor novamente se apresenta como paladino dos direitos humanos e defensor da liberdade de expressão.

 

A atual conjuntura é pródiga. Notabiliza-se pela proeminência do marketing e da falsificação, que asseguram o  protagonismo de charlatães, de todo tipo.

 

Pastores anunciam salvação ao mesmo tempo que investem contra vida de seu rebalho. Profisssionais apregoam a excelência da medicina e simultaneamente se prestam a mercantilizá-la e a degradar.

 

 Neste meio, nem tudo são trevas. Um contingente de médicos tem se destacado mundo afora. Não são brancos, vistosos, ricos, arrogantes ou fariseus. Alinham-se com médicos brasileiros na defesa incondicional da vida humana, com coerente exercício da medicina. Arriscam suas vidas em continentes desassistidos, regiões ermas e situações extremamente críticas, a exemplo de países africanos nos quais se disseminou o virus ebola.

 

Estão presentes onde médicos, que desprezam a vida humana, não se dispõem a estar. São médicos de um país isolado e pobre, que se destaca mundialmente pela qualidade da medicina e da educação que oferece à população. São detentores da mesma vocação dos que, aqui no Brasil, foram discrimados em palanques midiaticos, por bufões de empreiteiras da saúde, por charlatães e por jovens estudantes desavisados, que ainda não vivenciaram os desafios desta relevante profissão.

 

A expansão e ampliação dos cursos de medicina, obtida por meio da mercantilização e da precarização do ensino, não proporcionou a extensão horizontal de serviços de saúde. Carências sào inúmeras e a crônica falta de médicos é expressiva. A qualidade do atendimento também é deficiente e agrava privações de grande parte da população brasileira. Seja em metrópoles opulentas, seja em regiões periféricas, não contempladas por políticas públicas. Isolada e desassistida este contingente populacional desconhece serviços de saude elementares. O Estado e a medicina incluem-se nos seus horizontes distantes.

 

Se esta distancia se dissipa, deve-se antes de tudo ao compromisso e ao desprendimento de médicos não identificados pela alvura da pele, por robustos empreendimentos e elevadas contas bancárias.

 

Entre estes médicos, estão cubanos, seres humanos, iguais aos seus pacientes. Dignos de nosso respeito como cidadãos brasileiros, ora sob seus cuidados.

 

Sào provenientes de país discriminado, da mesma forma que mulheres, negros, menores e homossexuais por parcela da elite branca de nosso país, que não tem apreço pela vida alheia. Sào provenientes de um país pobre que erradicou o analfabetismo, que apresenta os melhores indices de provisão à saude pública nas Américas e agora obteve mais uma conquista: Cuba é o primeiro país do mundo a eliminar transmissão materna do sífilis e do HIV.

 

A Organização Mundial da Saúde explica. Este resultado deve-se a eficientes cuidados primários da saude.  Sua medicina é um direito universal, de todos.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 


Data: 01/07/2015