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ARTIGO - As lições do velho Gramsci

Wagner Braga Batista

 

Diz o ditado popular que macaco velho não mete a mão em cumbuca. A despeito de considerações sobre a aptidão, o apetite e o tamanho das mãos dos macacos, o ditado é procedente quando ressalva a sabedoria da idade provecta que lhes aconselha a reconhecer armadilhas.

 

Nos anos recentes, igualmente a partidos de direita, execrados em nome da ética, parcela considerável da esquerda passou a valorizar armadilhas.

 

Em nome de  pragmatismo do bem, mergulhou fundo num novo tipo de proseletismo que santifica armadilhas do mal.  Graças a providencial cambalhota pode se dedicar à exótica militancia. Qual seja, meter a mão nas cumbucas do Estado, de governos, do sistema financeiro, da indústria de construções de obras públicas forjadas, do aparelhamento de órgãos públicos e entidades de representação, de anuências compradas a peso de ouro, de cooptações em troca de cargos e de concessões, de porcentagens de pixulecos de empreiteiras, de licitações fraudulentas de bens e serviços públicos, da subtração de direitos sociais em deferência a agiotas e sonegadores, enfim, diversamente da sapiencia dos macacos velhos, a agil e apressada macacada enredou-se na teia que lhe armaram. Pior, deliberadamente. Com ou sem centralismo democrático.

 

Partido, corrente ou agrupamento político, com qualquer orientação ideológica, para se tornar hegemonico, além da capacidade de oferecer alternativas viáveis para o conjunto da sociedade deve se abster de práticas e métodos deploráveis socialmente.

 

As ideologias não são escudos protetores. Ainda que possam manter alguns desvios às escuras, silenciar sobre procedimentos questionáveis, não são artificíos que conservam percalços políticos ao abrigo de críticas e pressões provenientes do complexo de forças que integram a sociedade civil.  Eficazes, ao acomodar interesses restritos em projetos que se dizem universais, as ideologias se tornam débeis quando se mostram incapazes de materializá-los. Quando se revelam falaciosas. Em todos aspectos, no tocante è realização de condições materais e a extensão de atos ilicitos à toda camarilha. Isto porque, mesmo a corrupção ativa e passiva almeja a universalidade. A universalidade restrita praticada por meio de ação entre amigos, à boca miuda restritiva. Daí não ser poucos macacos que cobiçam o que cumbuca coloca ao seu dispor. Como não são poucos, os que preteridos nos acordos de grupo, na perda do butim e de direitos humanos, ora flagrantemente violados, partem para a deduragem eufemisticamente premiada.

 

Às ideologias cabe um delicado e sinuoso papel ambivalente. Ora podem ser desveladoras, ora  maquiadoras de propósitos políticos inconfessáveis. Entre as quais a prática da corrupção, ainda que justificada como móvel promotor de projetos sociais bem intencionados,

 

O exercício da hegemonia política não se dá pela  coerção. Difere da dominação e do jugo coletivo por meio de artifícios utilizados por poucos. Daí implicar necessariamente em práticas sociais democráticas, abrangentes e convincentes.

 

A direção política da sociedade requer projeto e programa que sejam minimamente consensuais. Que obtenham consentimento de amplas maiorias porque são alternativas para o conjunto da sociedade. Ao mesmo tempo, tangíveis e factíveis. O exercício da direção política, da hegemonia, torna-se inconsistente, porque não convincente, quando se divorcia de regras democráticas de convivência e de condutas éticas em todos  campos da vida social. Na cultura, em atividades profissionais, bem como no exercício pedagógico da conversa na porta de igrejas ou nas mesas do botequim da esquina.

 

Gramsci, nosso caríssimo filósofo sardo, reportava-se à natureza e aos desenlaces de embates políticos na sociedade civil. Destacava a emancipação do senso comum, um processo dinâmico por meio do qual homens simples e a intelectualidade assumiam papel orgânico na luta política. Falava-nos de um movimento que ao invés do putsh ou do aparelhamento do Estado se disseminava sobre o conjunto da sociedade instaurando consciências vivas e práticas militantes que esgarçavam tecidos rotos da velha sociedade e ajudavam a costurar sua nova roupagem. Um rico movimento que remexia as entranhas e transformava essencialmente a velha sociedade.

 

Caros amigos, arrogantes macacos novos abocanharam sofregamente o Estado, governos, sindicatos e perderam o rumo. Enveredam pela universalidade restrita da corrupção, parece-nos, que  leram Gramsci ao avesso.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 


Data: 14/07/2015