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ARTIGO - Tudo que sabíamos e tínhamos receio de divulgar

Wagner Braga Batista

 

Valendo-se de proximidade com integrantes da cúpula do Governo Geisel, bem como de depoimentos e documentos, até então sigilosos, Elio Gaspari descreveu registro pormenorizado dos bastidores e da transição dos governos militares no Brasil. Datado do final da década de 1990, sua obra ganhou vulto e foi complementada por literatura de cunho analítico ensejada pelo cinquentenário do golpe cívico-militar em 2014.

 

Estes trabalhos revestem-se de grande importância para a pesquisa de fatos, ainda obscuros, referentes a este período. Documentação precária e persistente silencio de participantes diretos ou indiretos de orgão de informação e repressão prejudicam sobremaneira o conhecimento de estruturas, mecanismos e agentes que viabilizaram políticas de segurança do regime militar.

 

Algumas das principais fontes de pesquisa têm sido acervos confidenciais em posse do Congresso, de serviços diplomáticos e da Agencia Central de Informação dos EUA responsáveis pela política externa deste país e monitoravam o aparelho repressivo no Brasil.

 

Nos últimos dias, ganharam relevo 538 documentos provenientes destes organismos que reiteram a pertinência de registros, produzidos com grande dificuldade por familiares, entidades de defesa de direitos humanos, estudiosos e, mais recentemente, pelas diversas Comissões da Verdade. Os memorandos, telegramas e relatórios do Departamento de Estado Norteamericano com a embaixada e diversos consulados brasileiros subsidiados por informantes ligados a orgãos de repressão.

 

Alguns fatos se confirmam. Deste o sequestro, assassinato e ocultamento dos cadáveres de Rubens Paiva, deputado cassado pelo regime militar, e Stuart Edgar Angel, estudante que militou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro-  MR8, que possuia cidadania norteamericana, em 1971, tanto o governo militar como a Embaixada dos EUA tinham conhecimento destes fatos, negados à opinião pública em sucessivas interpelações. Numa delas Zuzu Angel, mãe do estudante entregou dossiê a Henry Kissinge, secretário de Estado dos EUA, solicitando explicações ao governo Médici sobre o desaparecimento de seu filho. Nenhum esclarecimento lhe foi prestado.

 

No tocante a Rubens Paiva, de posse da informação sobre o ocultamento de seu cadáver, o então embaixador norteamericano registra apreensão ante a dificuldade de ocultar o assassinato quando este fato caisse no dominio público. O que ocorreu posteriormente.

 

De posse destes documentos, Elio Gaspari retoma trágicas reminiscências sobre a intervenção norteamericana em políticas dos governos militares. O artigo “O baú dos americanos” ( FSP 15 de julho de 2015 URL: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/226161-o-bau-dos-americanos.shtml)  contém suas minudências. Não se atém a relações confidenciais que comprometem adidos e agentes norteamericanos da Defense Intelligence Agency- DIA com integrantes do aparelho repressivo do regime civico-militar, revela também conúbios, que se valeram do tráfico de influência no Estado autoritário para viabilizar vantajosos negócios. Grandes empreiteiras, como a Mendes Junior, ora denunciada por corrupção na Petrobrás, já percorriam o caminho das pedras que as conduzia às facilidades e troca de favores com integrantes da cúpula de governos.

 

À época, informa-nos Gaspari, um de seus diretores foi o coronel Arthur Moura, ex-adido militar e mais poderoso funcionário norteamericano no país. A este senhor, um ferrenho crítico das políticas de direitos humanos de Jimmy Carter e defensor das ações de agências repressivas, foi destinada a maior parte da documentação, ora tornadas públicas.

 

Gaspari também observa que esta documentação lança luzes sobre as relações de Carlos Marighella, dirigente da Ação Libertadora Nacional- ALN com os freis dominicanos. Aponta índicios que contatos efetuados eram do conhecimento do aparelho repressivo deste 1968. Estas informações poderiam ter sido remontadas após o sequestro do embaixador norteamericano Charles Elbrick,  com auxilio de analistas da CIA, para culminar na trágica morte de Marighella .

 

Estas conjecturas fornecem substância à tese de Frei Betto ( Batismo de Sangue: Guerrilha e morte de Carlos Marighella. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1976) . No livro defende que o ardiloso assassinato do dirigente revolucionário teve o intuito de comprometer publicamente a congregação religiosa, uma vez que policiais do DOPS, de São Paulo, já conheciam seu paradeiro.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 


Data: 16/07/2015