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ARTIGO - Poesia no Paço e nos Passos

ARTIGO - Poesia no Paço e nos passos



Wagner Braga Batista

 

 

Tempestade assola Brasilia. Imunes a tudo, Suas Excelências sentem-se num céu de brigadeiro.

 

 Mas, o Rio de Janeiro, apesar dos percalços, resiste.

 

Em meio a desmandos, mentiras, inflação, recessão, desemprego, desajuste fiscal, a vida ainda pulsa e contagia. A poesia nos conforta. Frente às Excelências que nos privam de direitos, promovem cadafalsos, línguas de fogo e punições severas para menores sem escolas, versos, prosas e canções, que brotam na praça, são colirios em nossos olhos.

 

Sem se intimidar com achaques de Eduardo Cunha, a truculência de Caiado, a hipocrisia de Agripinos, a soberba de play boys  e um solitário orgasmo de Eurico Miranda, em final de tarde de domingo, a poesia desponta. Por ironia, ao lado da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro- ALERJ. Imprevista e ousada, revigora débeis utopias.

 

No berço da maravilhosa cidade ensandecida, onde já não mais existe Morro do Castelo, subsistem castelos apodrecidos. Subsiste a Praça XV, lado a lado, coexistem a pervesão, o atraso e a poesia. Com lastros distintos, convivem contraditoriamente, amarrados à corrupção e atada à leveza das utopias. Nas ruas do centro, enquanto grostescas figuras usurpam a democracia, o  bálsamo do outono se espraia.

 

 Ao lado da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro- ALERJ, estuário de Cunhas, Piccianis, Bolsonaros, Bethlens, Felipes e expoentes da chantagem, da insânia e da desidia, sopra deliciosa brisa.  Aproveitando bons ventos, a poesia ali se espalha como folhas secas. Esparrama-se pelo chão da Praça XV e pela rua 1º de Março.

 

Contraponto de gritos e maus augúrios, proferidos ao seu lado, a poesia perfuma palavras e renova  significados.

 

Com suas  surpresas e dúvidas, desperta atenções. Momentaneamente, o interdita o livre trânsito e o descrédito. Na Praça XV, revoga o tédio e o cansaço de longas jornadas. Liberta o sonho precário e o salário mal pago do horror do trabalho. Traz altivez para  mentes cansadas, corpos combalidos e olhares cabisbaixos. Distribuída no chão, semeia fantasias nesta rude conjuntura, escassa de esperanças.

 

Disposta pela amplitude da praça e por toda extensão do Paço Imperial, a poesia ocupa o seu verdadeiro lugar: o centro da cidade e da sociabilidade urbana. Oferece a mulheres e homens o necessário descanso diante de revéses cotidianos. No centro da vida urbana, concede-lhes  espaço hospitaleiro na praça, que abriga, aos sábados, a Feira de Quinquilharias, ora apropriada por gigolos de antiguidades.

 

A poesia baixou no Paço, na praça e no passo de transeuntes. Espalha-se como a poeira e as folhas trazidas pelo vento de outono. Distribuída na amplitude da Praça XV, RJ, ao redor do Paço Imperial, disposta em dezenas de enormes painéis, escritos a mão, revivifica Gilson, Gentileza, grafiteiros, muralistas e tantos outros memóráveis artistas de rua.

 

A ampla mostra repõe poesia no centro das ruas. Em meio à poeira e ao descalabro do país- e desta cidade- exerce função higienizadora. Alivia o atraso, denuncia a modernidade regressiva e põe em xeque a alienação, que discrimina, criminaliza e humilha. Revitaliza seculares fachadas do Paço Imperial e abre veredas para que todos caminhem sobre seu solo. Se reconheçam desvendando poesias.

 

Deste modo caminhamos juntos. Caminhamos com a prosa de Guimarães Rosa, com versos de Bandeira, com o repente de Patativa do Assaré e o lirismo cáustico de Caetano Veloso, postos a nossos pés, humildes como a poesia, conosco estes poetas caminham. Ensinam-nos a perfumar o significado de novas palavras e maus presságios.

 

No império dos politicamente corretos,  Manuel Bandeira nos aconselha a fugir dos códigos, manuais e dicionários. Escapar de respostas prontas, forjadas pela hipocrisia: “Estou farto do lirismo, que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.”

 

Patativa do Assaré, nosso bardo cearense, brinca com a versatilidade acadêmica.

 

“Poetas niversitário

Poetas de Cademia

De rico vocabuláro

Cheio de mitologia”

 

E Guimarães Rosa, o que nos diz ?

“Sono de jacaré faz parte do chão”.

 

Deste chão universal, das cidades e ruas, berços e matrizes, esteios desta cultura diversificada e abrangente, pouco solene, que lhe serve de abrigo, assim como à poesia profana.

 

Olhando para baixo, pros lados e pra cima, apesar do mau cheiro que exala a ALERJ, no Paço, na praça e nos passos, o Rio de Janeiro, ainda respira poesia.

 

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 22/07/2015