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ARTIGO - Ninguém Presta

Wagner Braga Batista

 

Em meio à penumbra dominante, um amigo de infância foi categórico: Ninguém presta! Ninguém presta!

 

Este ambiente desalentador tornou-se o reino de pregadores das trevas. O descrédito e a descrença nos levam a extremos. Induzem-nos a lançar todo mundo na vala comum. A enxergar o cós das calças como único alento.

 

Por isto a prudência recomenda ir devagar com o andor. O desajuste fiscal, a falta de investimentos, o desemprego, a ameaça de recessão, o rebaixamento salarial, são inclementes com os de baixo. O pacote de maldades de Levy e a besta fera que seleciona suas presas estão soltos. Sejamos misericordiosos com nós mesmos. O que está ruim, ainda pode ficar pior.  Porém, em meio às trevas, não  podemos atribuir somente à heterodoxa classe política todos estes malefícios.

 

O finado Getúlio, o pai e salvador dos pobres, apregoava que todos políticos se redimem pela presteza. Os melhores porque não prestam pra nada. Os piores, porque se prestam pra tudo.

 

Inspirados em Getulio precisamos apostar num movimento messiânico que acione nossas prestezas e nos redima das trevas. Precisamos mobilizar nossas energias num amplo movimento salvacionista, democrático e, acima de tudo, federativo, que conceda a nordestinos, mulheres, negros, homossexuais, sem teto e terra, menores sem vida, o direito de opinar, votar e se salvar de odiosas discriminações. Necessitamos de um arco de alianças acima das tribos, das socialites, dos filantropos, dos paladinos da sustentabilidade, dos gourmets e dos coxinhas. Acima dos verbetes anglo-saxonicos e outras babaquices. Um movimento suprapartidário que estabeleça irrevogável paridade de gêneros, sotaques, dialetos e preferências musicais. Urge reconstruir a Aliança Libertadora que nos tire desta zona de sombras e restaure salutares prestezas.

 

Não sejamos céticos e fatalistas. É preciso ousar. Convictos de nossas virtudes, devemos replicar com energia: Todos prestam ! Humanos somos, apesar de erros e desacertos. A lambança em que o país está mergulhado não pode nos condenar à paralisia e inviabilizar nossa dadivosa presteza.

 

Está aí, a olhos vistos, a presteza universal, de tudo e de todos, para alguma coisa.

 

A presteza não é uma virtude de poucos, não distingue raça, credo, convicção, tamanho do sapato e grau de miopia. É um elo que nos une à humanidade. Pouco comum nas elites, socializa os mais pobres. Confunde-se com a tosca solidariedade que aproxima indigentes de clubes de futebol, partidos de trabalhadores e sindicatos classistas.

 

Todos prestam para alguma coisa!

 

Olhem só. Eurico Miranda serve para o Vasco. Eduardo Cunha para harmonizar podres poderes de bancos de investimento, de companhias de seguros, de indústria de bebidas, de concessões de serviços públicos, de construtoras de presídios e estradas, de operadores de partidos, dos entre tantos outros ignorados pela midia e pela academia. Subdeputados para alugar seus mandatos e lhes emprestar apoio. Aécinho Cunha para pavimentar calçadas, ódio e aeroportos para familiares. O STF para Gilmar Mendes truncar decisão judicial sobre o financiamento privado de campanhas eleitorais. O velho The Globe para reinventar a roda, informar que a terra  gira, que grana de sindicatos irriga bolsos de aristocracias classistas e feudos de federações de indústria. A truculência, o dedurismo e a corrupção se prestam à CBF mui bem servida por Havelange, Vil Teixeira, José Maria Marin e tantos ilustres dirigentes. Condignamente cai como luva nas mãos  da FIFA.  A Lei Rouanet é de presteza ímpar. Concentra 80 % de seus recursos na região sudeste, em círculos de apaniguados do ministro de plantão- lembram-se do R$1,8 milhão destinados por Marta Suplicy a desfiles de moda em Nova Iorque e Milão- e  financia regiamente a degradação da cultura brasileira. Verbas do MEC têm sido generosamente empregadas para expandir a privatização do ensino superior e a mercantilização da educação de baixa qualidade. O mensalão e o petrolão também renderam bons pratos, bons vinhos, ternos atilados e carros blindados para ex-comissários do povo.

 

Em síntese,  todos prestam ou se prestam para alguma coisa.

 

Diante de conjuntura tenebrosa, em fase inaugural do movimento higienizador e restaurador das prestezas, não cabem discriminações odiosas, tampouco interpelações inoportunas. Em princípio, todas prestezas tornam-se defensáveis, lícitas e socialmente justas. Assim como a democracia, instituída pelo General Figueiredo, e propalado Sistema Nacional de Participação Social,  seu Estatuto será homologado por decreto. O programa regenerador obriga-nos a atualizar e defender incondicionalmente nossas prestezas.

 

Sua palavra de ordem redentora é inquestionável: Nada que é humano nos causa estranheza. Todos prestam!

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 


Data: 24/07/2015