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Artigo - Tragam a tuba de volta

Wagner Braga Batista*

 

Por consenso, a orquestra se instalou no Congresso. No pacto das elites, comporia vistoso cenário de concertacions e sambas enredos encomendados. Com direito a figurino apropriado,  fraques, cartolas, polainas, pianos de cauda e estradivarius, seria envoltório adequado para a imundicie entranhada na Câmara e no Senado.

A aprovada em regime de urgência, no fogo de convescotes de senadores e da lingua atilada de deputados, contemplaria a soberba, o luxo e a meritocracia exigentes nas casas. Suntuosa em proposição, não poderia ser constestada por decisão do Conselho Nacional de Segurança, do ditador de plantão, do FMI e avaliadores do hemisfério norte. Não fosse pequeno detalhe, seria irretocável no projeto. Nos lotes de nomeações de amigos, familiares, prepostos, playboys, filiados de empreiteiras, amaziadas de generais, tias e avós de magistrados, faltara o principal. Esqueceram-se de contratar músicos e um minúsculo maestro, que fosse, para viabilizar a orquestra. Mas, a bem do erário e do serviço público, uma emenda aglutinativa consertou o mal feito. Um destas Excelecentíssimas Excelências, que escapara de tantas medidas de exceção e cassações, sacou do bolso do colete a emenda repativa e operativa, no jargão do Congresso. O ilustre proponente, obecendo naturais limitações orçamentárias, autorizava contratar ruidosa tuba que cumprisse a função da orquestra. Sob incessantes aplausos, acrescentou: O marketing da estrondosa tuba será a imagem pública do silencio d congresso e congresso.

Em tempos de exceção, vigorosos deputados e senadores, divididos em blocos parlamentos do sim e do sim senhor, reivindicavam-se da autonomia dos poderes e se vangloriavam do feito. Ao invés de modestas bandas marciais, retretas e fuzarcas, mais condizentes com as casernas, ousaram. Em inequívoca demonstração de energia e altivez aprovaram a sinfônica para fazer jus à Revolução Redentora e seus enérgicos feitos. os adeptos do sim senhor foram mais enérgicos. Contaria com trezentos componentes, que se tornariam mil e duzentos após aditivo  e sanção do projeto.  A logística e o fomento da lei incorporariam outros 1300 patriotas ao extenso cabine de empregos para a tuba e afortunados. Democraticamente, nos leilões de contratos todos ilustríssimos parlamentares seriam agraciados. Nestes tempos de execeção, face à moralidade coexistente, nada seria contestado. Com decoro e nobreza, sem questionamentos e rusgas desnecessárias, assim foi aprovada a concertacion na Câmara e no Senado.

Passadas algumas décadas de vida negligente no parlamento, a suntuosa orquestra subsistia. Sobrevivera aos tempos de exceção, às diverticulites, diatribes e impeachments. Intocável, sem nunca ter tocado. Sua vitalidade podia ser atestada pela saúde dos contracheques dos egrégios contratados que contrastavam a penúria, mirabolantes planos economicos, crises institucionais, contínuo arrocho de salarios, elevados indíces de  desemprego, exclusão social , na vincenda democracia ante crescente descrédito de eternos donos da Câmara e no Senado.

A suntuosa orquestra subsistia, a bem da verdade, graças ao marketing da tuba, à sua ruidosa performance nas Casas do Povo. Porém, o mal estar das Excelências era enorme. Estrondoso barulho dificultava acordos de gabinetes, achaques em ambientes fechados, mentiras de corredores, oferta de grana em pacotes vedados, aluguel de legendas e mandatos à boca miúda, troca de favores  em locais reservados e habituais chantagens na Câmara e no Senado.

A ruidosa tuba, moradora no décimo quinto andar de uma dispensa, comensal da rapa dos regabofes da subsistente orquestra, em tempos de democracia vincenda, afetava a normalidade institucional. Chamava atenção para silenciosa, lícita e transparente orgia em shoppings, aeroportos e ambientes privados das seculares Excelências, que habitam a Câmara e o Senado.

Desconfortáveis, abnegados condôminos das Casas do Povo, eternos defensores da probidade, insurgiram. Usaram argumentos de sempre. Alegaram improbidade para resguardar a sacrossanta imoralidade da Câmara e do Senado.

Em buxixos recorrentes, as Excelências alardeavam: O parlamento nacional, esteio da moralidade, não pode dar lugar a maus exemplos, ceder às injustiças, sacramentar diferenças irreparáveis e fomentar a deliquente iniquidade.  Urge fazer valer tratamento isonômico. A tuba não pode tocar se não toca a orquestra.

O consciencioso conluio das Excelências cobrou imperioso silencio da tuba consoante com o vigoroso silencio da orquestra

Com aval do TCU, do STF, da TFP, da FIFA e da CBF, dos jagunços de Gilmar Mendes, de  calibres de várias armas, de franquias e locações de Malaquias e Malafaias, dos coxinhas da GERDAU, da Veja e AMBEV, da rotina salubre de calls-centers, dos pixulecos pagos pelas terceirizaçòes e trabalho precário, pelos shoppings e aeroportos,  exlusivos de aves de rapina, da Comissão de Direitos Humanos, recém chegada de Caracas e Guantanamo, as veneráveis Excelencias obtiveram endosso para operativo esforço moralizante, para tratamento isonomico e proficiente silêncio na Câmara e no Senado.

Porém, por obra de marqueteiros, a democracia letárgica, rompia o silencio, a  sepulcral, a febre viral e intensa paralisia para reeditar velhos engodos e moribundas promessas. Dizendo-se renovada, recauchutava  suas mitologias. Questionava a indiferença ante qualquer projeto que não atendesse nobres causas. A vicenda democracia denunciava o silencio,  o  zumbido das moscas em meio à podridào nas “Augustas Casas” .

Desvelava a inaptidão parlamentar, a inconsistência de partidos, a falta de programas, o descaso com projetos e o desprezo pelas leis, devidamente resguardados pelos regimentos das Augustas Casas. Pelos trâmites burocráticos, protocolos ensaiados, papéis timbrados e, é claro, pelo notável cumplicidade dos que erigem o decoro parlamentar como patrimônio das empobrecidas Casas.

Em meio à falta de oxigenação e ao bolor nas Augustas Casas, surgiram rumores. Dizia-se pelas esquinas, que a democracia renovada pretendia que tudo que estivesse  vivo fosse revigorado. Falava-se de  oigenação. De reforma política, do serviço público e até mesmo do Estado. Num ambicioso propósito de recriar a democracia e um Sistema Nacional de Participação Social consorciado. Recorreria a estranho legado, invocando o General Figueiredo para promover a democracia por meio de um decreto.

Novos conselhos populares compostos por chapas brancas e por gente cooptada. Para não travar a burocracia tudo seria cadastrado, com contas em banco e funções remuneradas. O que estivesse vivo seria revitalizado. O que tivesse finado, seria extraido de folhas de pagamento e definitivamente abolido. Fosse o que fosse, seria criado e varrido, por força de um decreto.

Sem distinções, tudo que respirasse e não estivesse em silencio poderia ser cadastrado.

O decreto põe fim a ressalvas odiosas e tratamentos diferenciados. Em nome da nova democracia concede equidade aos DNAs de oligarquias, brasões de latifundiários, mutretas de agências financeiras, contas bancárias suiças, sentenças fabricadas, mandatos alugados,  crimes hediondos e assassinos de papel passado, extorções no legislativo, estelionatos desvendados, fomentadores do trabalho precário e terceirizado, empreendedores de serviços de saude e educação aviltados. Conforme o espirito consensual da lei tudo que respira e não faz silencio será homologado, na Câmara e no Senado.

A nova a nova democracia pulsante e revigorada enseja a demonstração de vida para que instituições repúblicanas sejam oxigenadas.

Moribundas Excelências ficaram atônitas. A nova democracia e o decreto encomendado impunham presença no vazio.  Um resquício de oxigênio no vácuo. Um ruído em meio ao silencio. Uma mísera demonstração de vida para homologar o absenteísmo, a chantagem, a extorsão, a propina, o financiamento privado, o descompromisso parlamentar e a extensa lista de pagamentos da Câmara, do Senado e da suntuosa orquestra.

Não mais que de repente, uma voz gutural ressoou no silêncio do plenário:

- Precisamos recuperar nossos sinais vitais. Tragam a tuba de volta.

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 27/07/2015