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Artigo - O saudável conflito de interesses, o brejo e a vaca

Wagner Braga Batista*

 

Nos anos 1970, para se referir às necessidades substantivas, Celso Furtado tomou como exemplos a falta de pão na mesa de um pobre e uma garrafa de vinho irrigando o jantar de um rico. Utilizando-se destes dois elementos esclareceu a diferença entre um bem indispensável e algo acessório.

 

O insólito ajuste fiscal coloca em questào este saudadel conflito de interesses: a qualificada disjunção sadia entre a fome e paladar. Na sua acepçào pode se considerar saudável o corte do pão para preservar o refinado bom paladar. O conflito de interesses também se mostra harmônico quando se coloca na linha do horizonte a inflação, o arrocho salarial, o desemprego e a imprevidência para viabilizar o saneamento das contas públicas e o equilibrio fiscal. Mas que medidas são adotadas para viabilizar a harmonia ? Se formos mais atentos, poderemos reparar que ao invés de mitigar revéses de setores mais vulneráveis da população apenas os agravam.

 

O desencontro de informações deixa-nos confusos. Pior, transtornados. Falam em superar a crise econômica, mas mergulham o país nesta crise política. Entregam a direção de organismos políticos estratégicos a pilhadores que se revezam no poder. Esvaziam o conteúdo de projetos sociais includentes para prestigiar interesses de oligarquias, de segmentos tradicionamente beneficiários da exlusão social. Alegam a necessidade de cortes orçamentários. Porém incidem sobre áreas socialmente vulneráveis e relevantes para desonerar setores improdutivos, predatórios e supérfluos. Os incentivos de politicas públicas redutoras das desigualdades pagam a anistia branca de dívidas com a União de clubes confessionais e futebolisticos.

 

Estima-se que a sonegação fiscal no primeiro semestre de 2015 tenha ultrapassado R$ 200 bilhões de reais. A tributação de grandes fortunas é ignorada. Nesta gente o Levy pega leve.

 

E Dr Moro? Se quisesse mergulhar nas águas turvas em que está pescando veria muitos  peixes graúdos no fundo. As nobres familias, que Raimundo Faoro e Tancredo, avô de Aécio Cunha, reputavam donas deste país

 

Na verdade, o ajuste deles é o desajuste nosso.

 

Como diziam ancestrais da maracutaia legal: uma mão lava a outra. Ao invés de sacramentar sua autonomia, integrantes dos três poderes valem-se da prerrogativa da ajuda mútua.

 

Vejamos. É corriqueira a distribuição de mordomias em instâncias do Judiciário, a exemplo dos TCUs de Tocantis, Paraná e Minas Gerais. Suas Excelências rebelam-se quando são preteridas em extorsivo reajuste salarial que não concedem a nenhuma categoria de trabalhadores: 78% para algumas categorias de servidores do judiciário. Os escândalos no legislativo avultam. No Rio de Janeiro o conúbio de deputados e vereadores com poderes executivos locais batem na porta de delegacias e rendem processos judiciais. Este modus faciendi de legislar em causa própria se reproduz em Roraima, Minas, Sào Paulo, Bahia, Mato Grosso e em outros colendos parlamentos. No Congresso Nacional a facada em nossa carne foi profunda. No contexto do debate do ajuste fiscal, as Excelências reajustaram valores de suas despesas, do auxilio-moradia, de passagens aereas, das contas de telefone e de verbas de gabinete. Revigoraram vantajoso conúbio triplicando o valor proposto para o Fundo Partidário para R$ 867,00.  A orgia não ficar barata. Para se igualar à bacanal da Corte Londrina promoveram a apoteose da luxuria: um shopping parlamentar. A bem da verdade, sem sexo e cocaína. Inicialmente orçado em R$ 900 milhões, graças à proeza de comissão de licitação indicada a dedo, já alcança R$ 8,3 bilhões.

 

Em artigo publicado ontem (28 de julho, O Globo)  um brilhante ventriloco de esquerda desencardida e desencanada, reportou-se à crise desencantada e à ladroagem sistêmica. Com sua bagagem, repertório intelectual e seu tom anedótico, contribuiu para a taxonomia desta laia. Em sua classificação propôs dois generos de gatunos. Os corrutos ocasionais, que pungam os cofres públicos em função da oportunidade, e os extensivos, que não esperam ocasiões favoráveis: “Roubam por tesão”. Nào hesitam, metem a mão na bufunfa, incondicionalmente.

 

Nossos condôminos da roubalheira nos governos, parlamentos, em instancias do judiciário e administrações públicas estão sob a hegemonia de punguistas sistemáticos e irrefreáveis.

Ontem, pastor evangélico não deixou por menos. Pontificou: Quem rouba 50 milhões ao mesmo tempo mata outros tantos.

 

É claro, a crise nào se reduz à corrupção. Esta sindrome é fruto de uma cultura espoliativa que transforma em mérito e lucro a expropriação do pessoal do andar de baixo. Os que produzem e subsistem exclsuivamente por sua capacidade de trabalho.

 

Mas enfim, em meio à crise artificiosa, ou não, desconsolado, o senso comum acha que não tem jeito: A vaca sequer foi pro brejo.

 

-  Nossos futuros candidatos, heróis dos aeroportos privados e da probidade meia sola, surrupiaram a vaca. Pra não ficar pra trás na roubalheira, a turminha impoluta dos assassinatos no campo, que consorcia direitos humanos e trabalho escravo, já plantou boi na área e grilhou o brejo.

 

No entanto, um evangelho nos diz: Não há trilhas seguras para o futuro, nem caminho para a desesperança.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 29/07/2015