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Artigo - Baratas e baratos

Wagner Braga Batista*

 

Quem exalta nossa original brasilidade pode se rejubilar de nossas desigualdades, sui generis.

 

No Brasil temos estrutura de classes ímpar. Contraria os clássicos da literatura e renomados pesquisadores. Dividimo-nos entre os que são entregues às baratas e os que se entregam aos baratos. Entre eles, partidários da promiscuidade, que agora se dizem filiados ao Brasil.  Aliás sempre foram. Ao Brasil de mentirinha, do facebook e da desfaçatez.  Os mais radicais, filiaram-se desde os primeiros anos de vida à loquaz imbecilidade.

 

Neste Brasil diversificado, de muitas vocações e filiações, temos lugar para tudo. Até para quem se orgulha da ignorância. Nos ultimos dias a guarda pretoriana, salvacionista, botou as manguinhas de fora. Chacinadores e torturadores sairam as ruas para defender direitos humanos.  Donos da banca ergueram-se contra o jogo do bicho. Agiotas manifestaram-se contra a especulação no mercado das mentirinhas.

 

O Brasil não é fácil, dizia-nos Tom Jobim. É país de dificil explicação. Imaginem o Brasil de mentirinha.

 

Aqui os heróis da probidade estacionam seus automóveis em áreas reservadas a deficientes.  Deputado vai bater panelas. Sua empregada, que limpa suas imundícies e pilota seu fogão, ocasionalmente, terceiriza seus serviços. Torna-se datilógrafa na Câmara e babá de seus filhos, sem senões. Depois, de dominicial demonstração de moralidade, tudo volta ao lugar de costume, no Brasil de mentirinha.

 

Como no samba do velho Chico, a malandragem se modernizou. Fez curso de pós-graduação em Harvard, para onde candidato derrotado jurou que iria após as eleições. Convenceu-se rapidamente, que universidades que abrem comportas para o terceiro turno.

 

Pois bem, malandrinhos do Lebron, dos jardins paulistanos, de Boa Viagem e da Savassi se associaram. Trocaram navalhas pelo corte afiado das linguas e da indústria da inverdade.  Ofereceram-nos o pocket show da sangria do povo em nome do filé mignon da malandragem. Sem produzir evidencias do crime, enfeita caras e bocas, implanta cabelos onde falta consciência, cria honradez em Paulinho da Força, fidelidade nas palavras de Eduardo Cunha e renova os fios de ouro da cutis de Marcos Feliciano. Os malandros se renovam, sem perder a pose. Batem ponto em financeiras e correm para prestar serviços na Câmara.  Distribuem-se  em Executivos, outros no Judiciário, mas a maioria inconteste disputa lugar no Legislativo.

 

Na oscilante economia dos trapezistas e das catástrofes com hora marcada, o que importa é capitalizar desgraças. Fabricar indicadores, que mascarem o filé mignon, para desnudar nosso irrevogável fracasso. Que ateste a definitiva condenação da gente miuda ao poço do fundo.

 

A original divisão de classes, reserva aos entregues às baratas o buraco sem fundo. Porém, prendados politicos só conhecem a beira do poço. Entregues ao barato, não temem adversidade. Para eles, fundo do poço tem molas. Invariavelmente pulam fora do buraco.  Vejamos. Há senador que escapa da cadeia para ser Ministro da Justiça. Achador que pula das barras de tribunais para a Presidência da Câmara. Cassados por peculato e prevaricação, ressuscitam como probos administradores da coisa pública. Corruptos se tornam vestais da moralidade. Proxenetas convertem-se em pastores de rebanhos nas raias de cabarés. Derrotados nas urnas, comportam-se como campeões do terceiro turno.

 

No Brasil de mentirinha, da verdade fabricada, tudo é possível. A mentira verossimel, torna-se plausivel.

 

Os heróis de video games chegam à praça da apoteose. Galgam pedestais. Tomam de assalto os três poderes para resgatar o Santo Graal. Nesta ficção, os mais radicais personagens são filhotes de oligarquias. Com pouco mais de vinte anos, nunca cavalgaram uma carteira de trabalho assinada. Garbosos, cruzam os portais do parlamento. Pródigos rebentos amzonenses, paraibanos, cariocas, assim como Aécio Cunha, orgulham-se de nunca ter arrumado uma cama.

 

È claro, são filiados ao Brasil, pertencem a legenda com seu nome.

 

Os baratos desta gente estão em moda. 

 

Porquanto na Noruega a maior diferença de rendimentos, entre os 20% mais ricos e outros tantos mais pobres, é  apenas 4 vezes maior. No Brasil de mentirinha esta distância é estratosférica. Perdemos de vista. Os 10% com maiores rendimentos concentram 42% da renda bruta.  Os entregues às baratas, dez por cento que moram no fundo do poço, sob viadutos, em ralos de cozinha e tubulações de esgotos, comem o que sobra das urdidas panelas. Ficam com 1% da batucada

 

Esta é nossa original  divisão de classe.  Separa entregues às baratas dos que se entregam aos baratos,  no Brasil de mentirinha.

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 20/08/2015