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Artigo - Avaliação da greve docente-2015

Luciano Mendonça de Lima*

 

”Falo assim sem tristeza

Falo por acreditar

Que é cobrando o que fomos

Que nós iremos crescer

Outros outubros virão”

(O que foi feito devera. Milton Nascimento e Fernando Brant)

 

Deflagrada em meio a pior crise da história das universidades públicas brasileiras até aqui, a greve dos docentes das Instituições Federais de Ensino foi também a maior de todos os tempos. Iniciada em 28 de maio do corrente ano, ela haveria de se prolongar até meados de outubro de 2015.

 

Suas causas mais profundas se encontram na expansão precarizada do ensino superior promovida na última década pelo governo federal e que trouxe consigo efeitos nefastos para o funcionamento das IFE: avanço da privatização e mercantilização da produção do saber acadêmico; degradação da autonomia e democracia universitária; precarização das condições de trabalho e ensino; ausência de políticas de assistência estudantil; sucateamento da infraestrutura, com a falta de manutenção de prédios e equipamentos já existentes e a não construção ou aquisição de novos; desmonte da carreira docente e arrocho salarial.

 

Esse quadro, por si só gravíssimo, foi acentuado quando do anúncio dos cortes orçamentários promovidos pelo governo Dilma ao longo do primeiro semestre deste ano, cortes esses inseridos no contexto mais amplo do ajuste fiscal que penaliza a grande maioria da população trabalhadora em beneficio de uma minoria vinculada ao capital financeiro. Para se ter uma ideia do desastre, só do Ministério da Educação foram cortados 9,4 bilhões, número esse que evoluiu ao longo do tempo para mais de 12 bilhões. Enquanto isso, esse mesmo governo destinou mais de 17 milhões para o FIES, uma forma de desviar dinheiro público para financiar a educação superior privada.

 

Diante desse cenário crítico, o ANDES-SN, através de suas diversas instâncias de deliberação, tais como o seu 34º Congresso e as diversas reuniões do setor das federais realizadas este ano, buscou fazer o diagnóstico preciso da situação e assim armar politicamente a categoria para fazer frente a mesma, em constante diálogo com suas bases sindicais representadas pelas Associações Docentes. Nesse sentido, a nossa pauta foi sendo coletivamente construída e contou com os seguintes eixos: defesa do caráter público da universidade; melhores condições de trabalho; garantia da autonomia universitária; reestruturação da carreira docente e valorização salarial entre ativos e aposentados. Paralelamente a isso, o nosso sindicato nacional procurou atuar junto a outras categorias em campanha salarial apostando na construção de iniciativas em comum, o que acabou redundando na retomada do Fórum dos Servidores Públicos Federais, que contou em seu auge com a presença de mais de 20 entidades.

Em que pese as diferentes iniciativas protagonizadas por essas entidades e categorias no sentido de abrir canais efetivos para negociar as pautas anteriormente protocoladas, o governo federal sempre demonstrou postura bastante intransigente, o que acabou levando algumas das categorias a optarem pelo recurso extremo da greve.

 

Foi nesse contexto que a greve nacional das IFE (docentes e técnicos) foi deflagrada em 28 de maio. Destaque-se ainda o importante papel desempenhado pelos estudantes, que em várias universidades se declararam em greve ou se solidarizaram com o movimento paredista, construindo suas próprias pautas por adequadas condições de estudo. Paralelamente outras categorias de servidores federais também aderiram ao movimento nacional, a exemplo dos servidores do judiciário, da previdência, saúde e trabalho, dos institutos federais de ensino, etc.

 

Na UFCG, a greve docente teve as suas particularidades. Por contar com três diferentes seções sindicais do ANDES-SN (ADUC-Cajazeiras; ADUFCG-Patos e ADUFCG-Campina Grande, Cuité, Sumé, Pombal e Sousa) os professores da instituição entraram no movimento nacional em datas e ritmos diferentes. O campus de Patos foi o único que entrou na greve desde o seu nascedouro, ou seja, no dia 28/05/15. Já os docentes de Cajazeiras decidiram se somar ao movimento alguns dias depois, em 08/06/15. A entrada mais demorada foi a dos docentes representados sindicalmente pela ADUFCG, quando depois de uma assembleia bastante participava (porém tensa e polarizada) realizada em 17/06/15, a proposta de adesão à greve, a partir de 25/06/15, foi vitoriosa por uma pequena margem de votos, qual seja, 264 x 249. 

 

Essa, aliás, foi a tônica em boa parte das ADs que participaram da greve. O embate em torno de diferentes projetos de universidade e sociedade que há muitos anos opõe o nosso sindicato aos governos e seus aliados de plantão, também se acentuou no interior da própria categoria e da universidade, o que traz novos desafios para todos nós. Digno de nota a esse respeito, foram algumas tentativas de judicialização da greve por iniciativa de setores conservadores contrariados com o movimento e a atitude servil das reitorias em relação às políticas de destruição das IFE emanadas simultaneamente do governo Dilma, do capital privado com atuação no setor educacional e dos organismos multilaterais como o Banco Mundial. Na UFCG, por exemplo, um grupo de 14 professores, ao não aceitar a vontade soberana da maioria expressa na AG de 17/06/15, pela deflagração da greve, de forma oportunista e antidemocrática entrou com uma ação no Ministério Público Federal no dia 25/06/15 pedindo a anulação do resultado da referida assembleia docente, alegando que a direção dos trabalhos na ocasião computou indevidamente os votos dos professores de Sumé, Pombal e Cuité. Malgrado esses intentos de desqualificar o movimento, é necessário enfatizar, contudo, que a própria categoria se encarregou de se contrapor a essas práticas antisindicais, ao reafirmar a legalidade e a legitimidade da greve, aprovando sua continuidade, nas assembleias subsequentes, sempre por ampla maioria. Por outro lado, o nosso reitor, professor José Edilson de Amorim, em vez de fazer valer o pouco que resta da autonomia universitária na instituição, comportou-se como um feitor a serviço do MEC, desrespeitando o movimento paredista, estimulando atividades antigrevistas, sonegando informações solicitadas pelo Comando Local de Greve da ADUFCG e tornando-se cúmplice dos efeitos deletérios dos cortes orçamentários. 

 

Não devemos esquecer ainda que essa greve esteve inserida em uma conjuntura de grave crise econômica, política e social, quando a luta por direitos por parte da classe trabalhadora e do povo pobre tende a ser sistematicamente criminalizada. Nesse contexto de acirramento da luta de classes, o movimento grevista dificilmente poderia sair ileso. Não por acaso, essa greve também ficará marcada pela violência de que foi alvo e que em muitos aspectos lembra os piores dias da ditadura militar no Brasil. A polícia militar, uma das materializações mais sinistras e trágicas do braço armado do Estado burguês no Brasil, abusou da truculência e da força bruta contra professores, técnicos e estudantes, por meio do uso de cassetetes, gás lacrimogênio, spray de pimenta etc, como ocorreu, por exemplo, nas manifestações públicas ocorridas em Brasília nos dias 24/09/15 e 05/10/15. Outrossim, uma outra forma de violência (essa de caráter simbólico, mais nem por isso menos perversa) de que o movimento foi vítima, diz respeito ao que foi difundido nas chamadas redes sociais. Em tempos sombrios de tendências proto-fascistas na sociedade, instrumentos como o FACEBOOK acabaram dando vazão ao que de pior se possa imaginar, em termos de preconceito, intolerância, conservadorismo e reacionarismo político e ideológico contra quem pensa diferente e, principalmente, luta por seus direitos. Na atual greve, o CLG, a ADUFCG e diversos professores e professoras que estiveram mais à frente do movimento, foram insultados e desrespeitados em sua mais elementar condição humana por alunos e professores da própria instituição, alguns deles sob o manto do anonimato, o que merece da nossa parte o mais profundo repúdio.

 

Nada disso, contudo, impediu que a greve se desenrolasse, pois além de oportuna ela era necessária para fazer frente aos ataques do governo Dilma e seus aliados de diferentes quadrantes. É verdade que após mais de quatro meses, o movimento não teve as suas reinvindicações atendidas, pois a proposta que o governo apresentou ao Comando Nacional de Greve/ANDES-SN em 24/09/15 chancela o arrocho salarial, com o agravante de que reduz toda a nossa pauta a um único item. A principal lição que fica a esse respeito, é que uma greve, por mais forte que seja, não é garantia de grandes conquistas, pois nos deparamos com os efeitos perversos do ajuste fiscal do governo em favor das forças do capital. Para reverter esse quadro, dentre outras possibilidades, faz-se necessário a construção, pelo conjunto da classe trabalhadora, de uma greve geral. 

 

Se não houve avanços nem conquistas em relação a nossa pauta de reinvindicações, o saldo político desta greve foi significativo. Ao realizarmos um conjunto de atividades ao longo do movimento paredista, tanto em âmbito local como nacional, contribuímos para denunciar junto a diferentes setores da sociedade brasileira o desmonte acelerado da universidade pública em curso no nosso país, assim como preparamos novos militantes e lutadores para as duras batalhas que travaremos no pós-greve, em torno da defesa intransigente do nosso projeto de universidade pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade socialmente referenciada. Cumpre destacar, por fim, que a saída unificada da greve nacional dos docentes federais indicada pelo CNG/ANDES-SN para o período de 13 a 16 de outubro de 2015 representou um ganho para a nossa categoria e o nosso Sindicato, especialmente em função dos gigantescos desafios que temos à nossa frente. 

 

Em função do exposto, a assembleia geral da ADUFCG que marcou a volta ao trabalho docente, realizada em 15 de outubro de 2015, aprovou os seguintes encaminhamentos:

 

1-Transformar o Comando Local de Greve da ADUFCG em Comissão Local de Mobilização.

2-Manter o caráter de Assembleia Permanente na ADUFCG.

3-Garantir a retomada do calendário escolar na graduação e pós-graduação, tendo como parâmetro basilar a data de início da greve, respeitando a realidade de cada campus e os direitos dos três segmentos da UFCG.

4- Envidar esforços para que o Comando Local Unificado de greve (docentes, técnicos e estudantes) seja transformado em Comissão Local Unificada de Mobilização.

5-Atuar junto a CSP-Conlutas-PB e todas as entidades dos SPF para fortalecimento da unidade com os demais sindicatos e organizações dos setores classistas no Estado

6-Organizar, junto a CSP-Conlutas-PB, no Estado as ações do “Outubro de Lutas”, definidas pelo Espaço de Unidade de Ação.

 

*Luciano Mendonça de Lima é professor da Unidade Acadêmica de História da UFCG e fez parte do Comando Local de Greve da Associação dos Docentes da UFCG (CLG/ADUFCG)

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 27/10/2015