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Artigo - Cantadores de coco

Benedito Antonio Luciano*

 

Segundo o cantor e compositor Manezinho Araújo, o coco seria originário do Quilombo dos Palmares, onde os negros passavam horas quebrando coco e cantando na cadência das batidas da casca dessa fruta, nas pedras.

 

Por outro lado, o famoso folclorista potiguar Câmara Cascudo, no seu Dicionário do Folclore Brasileiro, ressalta que mesmo com toda a influência africana, a disposição coreográfica do coco coincide com os bailados indígenas, especialmente os relativos aos índios Tupis da costa brasileira.

 

Na execução do coco, as bases rítmicas, além da própria voz, são as palmas e os instrumentos de percussão: pandeiro, ganzá, zabumbas, caracaxás, bombos, o pau furado ou zambê, a chama e a lata. Os dois últimos, à base de madeira e couro, percutidos com as mãos, e lata percutida por baquetas. Quanto à nomenclatura, o coco pode ser denominado como sendo: coco-de-roda, coco-de-umbigada, coco-de-embolada, coco-de-praia e samba de coco.

 

Antes mesmo de saber de que se tratava, a minha memória registra a primeira audição desse gênero musical quando era criança. Estava no bairro de Casa de Pedra (atual bairro do Centenário), em Campina Grande - PB, quando ouvi aquela batida rítmica, que em princípio pensei vir de algum terreiro de candomblé. Perguntei e me informaram que se tratava de um coco-de-roda. Não deu outra, a identidade afro-brasileira me guiou até a casa onde o coco era executado. Lembro-me que não pude entrar. Então, fiquei do lado de fora, na calçada, envolvido por aquele ritmo.

 

Anos depois, voltei a ouvir coco na Feira da Prata e no Mercado Central, em Campina Grande, nas vozes de Dedé da Mulatinha, embolador de coco de cor branca, e Columbita, um coquista negro, muito simpático, que além de coquista vendia folhetos nas feiras e exercia a profissão de engraxate.

 

O tempo de infância passou, mas continuei ouvindo e gostando do coco: seja nas praças, no meio da rua, pelas ondas do rádio, ou em registros fonográficos (discos), nas vozes de Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva, Bezerra da Silva, Beija Flor e Treme Terra, Caju e Castanha, Cachimbinho e Geraldo Mouzinho.

 

Mas foi em 1996 que ao assistir ao show “Na Pancada do ganzá”, do pernambucano Antonio Nóbrega, tomei conhecimento do mais emblemático dos cantadores de coco, o rio-grandense-do-norte Chico Antônio, cujo talento foi reconhecido pelo escritor Mário de Andrade, quando de sua passagem pelo Rio Grande do Norte, entre dezembro de 1928 e fevereiro de 1929.

 

Dai por diante, Chico Antônio (Vila Nova, hoje Pedro Velho/RN, 1904 - 1993) passou a ter o seu merecido registro na história da música popular brasileira, tendo a sua arte descrita em quatro livros de Mário de Andrade (“O turista aprendiz”, “Vida do cantador”, “As melodias do boi” e “Os cocos”), além de outros textos publicados em jornais e trabalhos acadêmicos.

 

Diferentemente de outros coquistas que não tiveram a mesma sorte, Chico Antônio foi tema de documentário (“Chico Antônio, o herói com caráter”, de Eduardo Escorel), concedeu entrevista a Rolando Boldrin, em programa televisivo exibido em rede nacional, e teve músicas gravadas por grupos de novos artistas como Mestre Ambrósio (“Usina, tango no mango”) e Brebote (“Eu vou, você não vai”).

 

Neste contexto, é lamentável que nos dias atuais, o coco, música genuinamente brasileira, não receba o devido reconhecimento e valorização por parte da sociedade, dos poderes públicos e dos veículos de comunicação de massa.

 

*O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição

 


Data: 03/11/2015