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Artigo - O poeta Zé Laurentino

Benedito Antonio Luciano*

 

Embora soubesse do agravamento do estado de saúde do poeta Zé Laurentino, nos últimos dias, não deixei de sentir profundamente a notícia de sua morte, ocorrida no início da tarde de quinta-feira, 15 de setembro de 2016, em Campina Grande - PB.

 

Nascido no Sítio Antas, em Puxinanã - PB, em 11 de abril de 1943, José Laurentino Silva, filho dos agricultores Antônio Laurentino de Melo e Maria José de Melo, recebeu dos repentistas a sua influência poética.

 

Essa influência seminal é relatada pelo próprio poeta ao contar a sua história em versos (“Minha História”) nas páginas 268 e 269 do livro “Coletânea Poética de Zé Laurentino”, lançado em 2010, pela Editora Bagaço:

 

Comecei a fazer versos
Aos doze anos de idade
Morando no sítio Antas
Puxinanã a cidade
Onde papai possuía
Pequena propriedade.

A casinha de papai
Era feita de alegria
Abrigo dos cantadores
Vendedores de poesia
Se uma dupla chegava
O povo se aglomerava
Tava feita a cantoria.

E eu, moleque peralta
Caçula, muito pachola
Me criei acalentado
Por acordes de viola.

Nas noites de cantoria
Eu ficava prezenteiro
Enquanto os outros meninos
Iam brincar no terreiro
Indiferentes aos versos
Beira-mar, quadrão mineiro
Eu ficava ali sentado
Boquiaberto, extasiado
Pra ouvir o violeiro. 

 

Apesar de dotado de grande talento para compor versos, Zé Laurentino não se tornou um cantador de viola, um improvisador. Segundo ele, isto não ocorreu porque não conseguia coordenar o canto com o tocar da viola. Tornou-se, então, um grande declamador, um dos melhores do estado da Paraíba e, talvez, do Brasil.

 

Iniciando a vida profissional como agricultor, Zé Laurentino estudou no Colégio Plínio Lemos, na sua cidade natal, onde durante quatro anos presidiu o Grêmio Estudantil daquele educandário. Posteriormente, foi eleito vereador e Presidente da Câmara Municipal de Puxinanã.  Ele foi, também, um dos fundadores da Associação de Repentistas e Poetas Nordestinos, tendo presidido essa entidade por dois mandatos.

 

Em Campina Grande, atuou como radialista na Rádio Borborema e como funcionário público concursado no Ministério da Saúde, mantendo paralelamente a sua produção poética, na qual podem ser contabilizados cordéis, livros, discos, individuais ou em parceria, além de inúmeras participações em Festivais de Repentes em todo Brasil e Santiago de Compostela, na Espanha.

 

De sua autoria guardo autografados e com dedicatória três CD, um deles gravado em parceria com o poeta Chico Pedrosa, e três livros: “Carta de matuto”, “Meus poemas que não foram lidos” e “Coletânea Poética de Zé Laurentino”.

 

Lamentavelmente, Zé Laurentino, foi mais uma vítima do alcoolismo. Assim, ele viveu seus últimos anos submetido a grandes sofrimentos originados dessa doença terrível da qual ele tinha consciência dos efeitos devastadores, conforme se pode depreender a partir do soneto de sua autoria, intitulado “Etilismo”, presente na página 63 do livro de sua autoria “Meus poemas que não foram lidos”:

 

“Na conversa fiada ao balcão,

numa dose de Rum ou de cachaça,

vivo eu escondendo uma desgraça,

uma mágoa, uma dor, uma paixão.

 

A tristeza ou a dor do meu irmão,

que minh’alma sensível logo abraça;

ando eu escondido atrás da taça,

procurando, no copo, solução.

 

O dia é pouco, adentro a noite mansa.

O etilismo intermitente avança

e quando o Sol nasce belo e reluzente,

 

se eu parar vem a depressão alcoólica

e me parece que uma coisa diabólica

me convida e eu bebo novamente.”

 

Sensível, carismático, generoso e amigo dos amigos, Zé Laurentino era um artista que se destacava pela simplicidade no trato com as pessoas. Como poeta, ele trazia para o âmago dos seus poemas a crônica do cotidiano, as dores do mundo, as preocupações sociais, ecológicas e causos engraçados, baseados em fatos pitorescos por ele vivenciados ou colhidos em conversas de mesa de bar.

 

Poemas como “Matuto no futebol”, “Eu, a cama e Nobelina”, “Conversa de passageiro”, “Carona de candidato”, “Esmola pra São José” e “Carta do matuto” ficarão marcados na memória dos apologistas, assim como toda a obra do poeta que certamente continuará sendo tema de estudos acadêmicos, pois Zé Laurentino foi, sem dúvida, um dos maiores poetas populares do Brasil.

               

* O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição


Data: 19/09/2016