topo_cabecalho
Proposta aprovada no Senado permite Brasil criar 1º Marco Legal das pesquisas clínicas

O projeto ainda enfrenta divergências, mas é considerado por especialistas um “grande passo” para o Brasil avançar nos estudos clínicos

 

Historicamente marcado pela dependência de medicamentos e de insumos farmacêuticos internacionais, o Brasil caminha para criar o primeiro Marco Legal das pesquisas clínicas com seres humanos – que são os voluntários dos ensaios clínicos -, fator que pode estimular a inovação na área de fármacos.  O projeto de lei (PLS) nº 200/2015, aprovado em caráter terminativo, em 14 de dezembro, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), foi encaminhado ao crivo da Câmara dos Deputados, onde deve ser aprovado em 2017.

 

O texto aprovado – o substitutivo do senador Otto Alencar (PSD/BA), relator do projeto de autoria da senadora Ana Amélia (PP-RS) e outros -  ainda enfrenta divergências. Porém, é considerado por especialistas, ouvidos pelo Jornal da Ciência, um “grande passo” para o Brasil avançar nos estudos clínicos e atrair investimentos em uma área que movimenta US$ 160 bilhões por ano no mundo.

Até agora, não existe internamente uma lei específica na área. Hoje, as pesquisas clínicas, tanto na esfera pública como privada, são conduzidas pela Resolução 466/2012 que substituiu a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional da Saúde (CSN), vinculado ao Ministério da Saúde.

 

As normas, porém, enfrentam críticas de especialistas contrários à morosidade nas análises dos protocolos de pesquisas, assim como a aprovação dos projetos, gargalos que, segundo avaliam, emperram o dinamismo interno da atividade no País.

 

O presidente-executivo da Interfarma, Antônio Britto, afirma que o Brasil vive “uma grande contradição” nessa área. “Enquanto ocupamos a quinta colocação entre os maiores mercados farmacêuticos do mundo, com a perspectiva de subir no ranking, lamentamos uma posição medíocre para pesquisas clínicas”, analisou.

 

Investimentos

 

Segundo ele, os investimentos internacionais em estudos clínicos somam US$ 160 bilhões ao ano, dos quais o Brasil recebe somente US$ 300 milhões. “São duas realidades que não podem caminhar juntas”, avaliou.

 

Para ele, muitas mudanças precisam acontecer para que o Brasil comece a criar um ambiente favorável à inovação e proporcionar benefícios à ciência, aos pacientes, à economia, à balança comercial e ao setor de modo geral.

 

Embora ainda distante do ideal, Britto avalia que o texto do PLS 200 representa “um grande passo” na área de estudos clínicos e observa que a proposta tem potencial para realizar parte das transformações que o Brasil precisa na área.

 

“Muito ainda precisa ser feito, e muito pode ser aperfeiçoado, mas o importante é estarmos fazendo algo para fazer do Brasil um País favorável às pesquisas clínicas e à inovação”, disse Britto. “Os cientistas, as empresas de pesquisa e os brasileiros sempre se ressentiram por conta de um ambiente pouco favorável à inovação”, complementou.

 

Para ele, os cientistas quando encontram limites para avançar em estudos e pesquisas perdem oportunidades de buscar as novas fronteiras do conhecimento científico e tecnológico para oferecer importantes soluções de saúde e qualidade de vida.

 

Já no setor empresarial, conforme entende Britto, os investimentos em pesquisa dependem de um ambiente de transparência e agilidade. Ao mesmo tempo, ele avalia que a falta de acesso a novas tecnologias representa um atraso do lado da demanda, porque coloca os pacientes em posições diferentes das de outros países mais ágeis e menos burocráticos.

 

Avanços da proposta

 

O médico Paulo Hoff, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor geral do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) considerou positivas “as diversas modificações” realizadas no texto original do PLS 200/2015 no decorrer das tramitações nas comissões do Senado Federal.

 

Conforme entende o especialista, o texto foi aperfeiçoado e atende grande parte dos anseios dos investigadores clínicos, ainda que algumas das mudanças tenham sido consensuais, enquanto outras não. “Mas essa é a natureza do processo democrático”, disse. “Acredito que esse seja um marco regulatório importante e que por trás dele há um grande desejo do legislador brasileiro de acelerar o processo de pesquisa no Brasil”, destacou.

 

Hoff considera uma “das virtudes” do projeto o fato de incorporar a ideia de que a pesquisa é importante para o País, e que a pesquisa tem que ser realizada de maneira inteligente e aprovada de forma ética, porém ágil.

 

Para o diretor geral do ICESP, um dos grandes gargalos da pesquisa no Brasil é a morosidade na análise e na aprovação dos protocolos de pesquisas clínicas. Para ele, o projeto aprovado no Senado avançou nesse sentido.

 

“A nossa impressão é que o projeto hoje é um avanço em relação à regulação em vigor, que é infralegal e que, certamente, haverá oportunidade de um polimento ainda maior na tramitação do projeto na Câmara dos Deputados”, estimou. “Mas acho que a maioria das questões polêmicas do projeto foi resolvida, em grande parte, de forma consensual, nas comissões do Senado. Toda contribuição é bem vinda. Espero que o espírito do projeto seja mantido”, complementou Hoff.

 

Segundo Hoff, ao mesmo tempo em que o projeto mantém as características de controle ético da pesquisa, tem potencial de acelerar o processo das análises. “Sabemos que uma norma regulatória, por si só, não soluciona todos os problemas, mas acho que dá um balizamento moderno preservando os direitos dos pacientes e a necessidade de isso ser feito de maneira ética. Sou otimista com o PLS 200”, destacou.

 

Hoff reconhece que o projeto não é a solução de todos os problemas em torno da pesquisa clínica. “No Brasil estamos com financiamento aquém do que existe em outros países, como EUA e Europa. Continua havendo dificuldade de investigar um assunto complicado como o câncer. Não é a aprovação do projeto que levará à cura do câncer, mas certamente a regulamentação atual leva a um tempo maior, gerando dificuldade na aprovação da pesquisa clínica.”

 

Divergências

 

O coordenador da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (Conep/CNS), Jorge Venâncio, por sua vez, mantém as críticas ao texto do PLS 200, mesmo com as mudanças realizadas pelo relator da proposta, o senador Otto Alencar. A Conep é a instância que analisa os protocolos de pesquisas, juntamente com cerca de 700 Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) espalhados em variadas instituições no País, principalmente em hospitais universitários. A proposta, em discussão, coloca em xeque a manutenção do atual modelo de análise dos protocolos de pesquisa.

Para Venâncio, o projeto de lei reduz os direitos dos doentes sujeitos das pesquisas, motivo pelo qual, ele acredita, haverá “muita judicialização”. Segundo ele, pela proposta, os voluntários teriam a garantia ao medicamento gratuito por dois anos somente. Hoje, o acesso a esse medicamento é por tempo indeterminado, acrescentou.

 

Outra crítica do dirigente da Conep à proposta é o fato de ser colocada nas mãos do médico do laboratório, responsável pela pesquisa, o direito de fazer a prescrição médica sobre o direito do voluntário. O ideal, sugeriu, é indicar algum especialista imparcial para avaliar o caso.  “Essa é outra medida restritiva”, pontuou.

 

Conforme nota técnica da Conep, é falsa a pressuposição de que o PL promoverá o desenvolvimento científico e tecnológico do País por acelerar a tramitação dos protocolos de pesquisa. Primeiro, porque o desenvolvimento tecnológico-científico faz-se por meio de clara sinalização do governo em fomentar a pesquisa e formar recursos humanos, e não em um trâmite acelerado da análise ética. Segundo, porque pouquíssimos estudos oriundos do exterior trazem e transferem, de fato, tecnologia ao País.

 

(Jornal da Ciência)


Data: 21/12/2016