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Artigo - Tirar da educação para confeccionar passaportes: a cara do governo Temer

Wagner Braga Batista*

 

Encurralado, o governo ilegítimo utiliza seus últimos trunfos. Retira do bolso do colete cartas marcadas. Sabe a que se prestam e qual seu destino. Já não atua às claras, porque não deseja visibilidade.

 

Exacerba seu modo de governar. Às escuras, depois das 23h, sem agenda, sem identidade dos interlocutores e imagens que atrapalhem indecorosas tratativas. Assim foi semeado o golpe e projeto pinguela para o futuro. Às escondidas, como qualquer tramoia. Sem deixar rastros e digitais. Sem registros da agiotagem financeira, de cartéis de empreiteiras do tanto por quanto, das barganhas com donos de federações de indústrias, da exclusão perpetrada pelo agronegócio, de medidas provisórias que transformam administrações de portos e operadoras telefônicas endividadas em detentoras de patrimônio público, de graças dos reis da proteína animal, das concessões às franquias de religiões sem fé, das firulas milionárias das máfias do futebol, do pânico semeado pelos fabricantes de armas, prisões e chacinas, do estelionato efetuado por criminosos e corruptos vulgares que disseminam  insegurança para se apresentar como garantias para a Ordem e Progresso

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Trivial, à noite, todos os gatos são pardos. Porém, no Palácio do Jaburu a noite se tornou mais intensa e começou mais cedo. Assim foram durante os últimos 14 meses. Um governo às escuras, longe dos olhos e dos anseios  da população.

 

Michê Miguel Elias Temer Lulia tem o mais baixo índice de popularidade desde o Governo Sarney, um de seus atuais aliados ou comparsas. Não goza de aceitação em nenhum segmento da população. Pouco importa. Cumpre seu papel e mostra para o que veio. Flagela a população porque não precisa de aval democrático. Se necessário, socorre-se com barões da maracutaia, aqueles que se dizem a favor da transparência e contra a corrupção. Homens de bem, com trânsito fácil, que gozam da simpatia de magistrados e parlamentares, a exemplo de Joesley Batista. Um exercício de memória nos faz lembrar patrocínios de enclaves da Associação dos Magistrados do Brasil e a pirotécnica filantropia do Dr Dallagnol facultada com a grana de cachês pagos por Federações de Indústrias. Ora, ora, como bem disse o Sakamoto, a justiça é austera e modesta, mastiga carne de primeira, mas prefere comer carne de segunda.

 

A rede de homens de bem amplia-se e se sofistica. Seus liames continuam intactos. Foi e ainda será o suporte deste governo agônico.

 

Esta rede de interesses indeclináveis institui regras, dá as fichas e proclama o resultado do jogo. Seu cacife é altíssimo.  Não é demais lembrar, a JBS elegeu 167 deputados. A representação do cartel das empreiteiras, outros tantos. Somente a Odebrecht emplacou 39. O agronegócio, nome ameno e sustentável que rotula álibis da antiga União Democrática Ruralista, tem no bolso 207 bate estacas.

 

Franquias religiosas apostam na fé de 197 parlamentares. O somatório inclui outras Excelências, beneficiárias das 500 campanhas com maiores dotações de empresas, sem contabilizar o caixa 2.

É esta rede de beneméritos que fornece apoio ao governo sem apoio, comandado de dentro da cadeia

(Renan Calheiros).

 

Temer segue ordens do estafeta do patronato. É refém de seus achaques. Tem que prestar conta de serviços devidos. Os patrocinadores do golpe, hoje, cobram resultados.

 

Relações de promiscuidade nos três poderes são visíveis. Os elos que  nem a corrupção sistêmica não foram desatados. Mais evidentes no Executivo e no Legislativo, ainda são obscuros no Judiciário, uma vez encobertos pelo corporativismo dominante nesta esfera.

 

O enfático discurso do combate à corrupção, ardilosamente empregado para golpear a democracia, de supetão, mudou de tom. Está claro, o propósito dos barões da maracutaia não era denunciar e combater suas praticas. Tratava-se apenas de abolir o Estado de direito em todas as suas dimensões sociais, políticas, econômicas, jurídicas, culturais, sanitárias, educacionais, entre tantas subtrações. Subtrair direitos e restaurar privilégios. Retomar paulatinamente o Estado de exceção, indispensável ao exercício do poder ilegítimo por minorias.

 

O combate a corrupção não podia sangrar na própria carne. Lembremo-nos da manifestação do incólume Jucá durante a inventiva do golpe: Precisamos parar com a sangria.

 

No rol da escalada de supressão de direitos sociais o desmonte da produção científica e da educação pública avulta. Tratadas com desdouro pelos que consentem a incúria e a indigência educacional, ganha mais um episódio para enriquecer o grotesco currículo deste governo.

 

Desde a nomeação de Ministro que declarou compromisso com educação porque transitou por escola progressista durante o ensino fundamental ao fato subsequente, a acolhida das inusitadas teses de um pornografo da pedagogia, os atropelos ministeriais sinalizavam desdobramentos pouco promissores. A aventura de Mendocinha no campo educacional tornou-se uma brincadeira desastrosa.

 

Aos poucos, transformou o ministério da educação em plataforma da disseminação da censura e subjugação do magistério. Em alvo de retomada da campanha da mordaça ensejada pela defesa da Escola sem partido.

 

O governo golpista não teve hesitação ou pruridos em recuperar motes da ditadura militar. Propugna o silencio dos professores e se esmera em coibir o exercício da crítica. Sua torpe estratégia de abolir o Estado social, não ignora o papel desvelador de currículos e da educação pública. Daí, a tentativa da esterilização de ambos, esvaziando-os para conformá-los às linhas auxiliares desta ação nefasta. Em seu desvario supostamente saneador Mendoncinha ignora virtualidades da educação. Imagina uma educação higiênica sem lugar para a criatividade e a inventividade. Na qual os filhotes da casa grande, da qual procede, possam fazer favores. Possam reproduzir suas verdades, sem contestação de agraciados e desgraçados- os que não foram bafejados pela graça dos poderosos. Possam seletivamente atender aos condenados às privações e à ausência  de direitos consagrada como Estatuto Social pelo governo golpista.

 

A escola não poderia ficar imune ante o avanço deste deletério propósito. Nesta direção, promoveu a célere e autocrática reforma do ensino médio.

 

Mendoncinha também foi fiel aos seus pares. Prestigiou mantenedoras de instituições de ensino privado, aliadas no golpe de Estado. Irrigou-as com contínua transferência de recursos orçamentários escassos na rede pública.

 

Dando sequência à desastrosa aventura, ao congelamento das parcas verbas para a produção científica e educação pública, avalizou o lobby dos segmentos privatistas que defendem a cobrança de taxas em instituições públicas oficiais.

 

O disforme pacote educacional ainda não estava completo, quando governo, agônico, viu-se na contingência de entrega-lo, às pressas.

 

O invólucro tornou-se mais acinte para educadores e educandos, para famílias que se veem na contingencia de aceitar a educação em tigelas, como se fosse um donativo ao invés de um direito de todos.

 

Depois de sucessivamente desqualificar e aviltar a educação, este governo de trapalhões, agora, pretende surrupiar R$ 102,3 milhões dos minguados recursos orçamentários. Com que finalidade ? Para custear a confecção de passaportes.

 

No atual contexto, a elite indignada e perdulária acredita que Miami sempre será um horizonte mais auspicioso e amplo para si do que o acesso à escola para todos. 

 

Meus amigos, isto não é alegoria. É fato.

 

Bem diz o arguto Jânio Freitas: “É a cara do governo Temer. “

 

* Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

As afirmações e conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta responsabilidade dos seus autores, não expressando necessariamente a opinião da instituição.


Data: 03/07/2017