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Genética de risco

Popularização do DNA clama por debate sobre o quanto as pessoas têm autonomia sobre quem elas são e como se comportam

O chefe de cozinha Jason Dallas costumava pensar em seu gosto por adrenalina - amor por mountain bike, esqui fora de pista e carros- como "uma coisa de personalidade".

Até que um dia ouviu falar que cientistas do Centro de Pesquisas de Câncer Fred Hutchinsoe de Seattle tinham correlacionado comportamento de risco a um gene em camundongos. Aqueles que não o tinham corriam desenfreados ao longo de uma viga de aço, em vez de caminhar em segurança.

Agora Dallas está convicto de que tem uma predisposição genética a assumir riscos, conclusão que cientistas dizem não ser descabida, já que acreditam poder usar variações em genes humanos para explicar por que algumas pessoas têm uma percepção de perigo diferente.

"Está no sangue", diz. "As pessoas já falavam isso, mas agora sabem que é verdade."

O aumento da compreensão da genética humana clama por um novo debate sobre quanto controle as pessoas têm sobre quem são e como agem. As descobertas recentes incluem genes que parecem influenciar se uma pessoa é obesa, tem talento para dança ou vai ser viciada em cigarros.

Declarações sobre o poder dos genes aparecem nos jornais quase diariamente e estão mudando a forma com que algumas pessoas se sentem em relação a seus defeitos, qualidades e as decisões a tomar.

Para algumas pessoas, a idéia de que elas podem não ser culpadas por algumas de suas características pouco desejáveis é libertadora. Outros se sentem condenados pelo seu próprio DNA, que parece menos alterável do que os culpados mais tradicionais das falhas pessoais, como falta de disciplina. E muitos achariam desestimulante pensar que seus feitos podem não ser resultado dos próprios esforços.

Os pais também estão repensando sua contribuição. Talvez eles não tenham traumatizado tanto seus filhos rebeldes, mas passado genes ruins a eles.

Ainda não se sabe se uma nova ênfase nos genes vai estimular tolerância ou rejeição às diferenças inatas. Se um traço como obesidade passar a ser visto como o resultado de genética em vez de falta de disciplina, o estigma social ligado a ela poderia se dissipar. Ou os gordos poderiam ser vistos como geneticamente inferiores.

Uma vez que os testes para genes que influenciam personalidade e comportamento ainda não estão disponíveis, não há maneira de as pessoas saberem quem tem o quê.

E, mesmo se houvesse, os genes recém-descobertos provavelmente apenas influenciam, não determinam suas personalidades. Os biólogos também se apressam em enfatizar o papel do ambiente na ativação de disposições genéticas que poderiam nunca ser expressas.

Mas nada disso impediu as pessoas de agirem de acordo com as próprias convicções.

A mulher de Dallas, Mari, por exemplo, certa de que seu marido é escravo de seus genes de gosto pelo risco, insistiu que ele limitasse algumas atividades. "Se dependesse dele, ele, compraria uma moto", disse. "Eu não acho uma boa idéia".

A assimilação da genética pelo público pode ser guiada também por tomar especulações como verdade científica. Numa era de incertezas, a biologia pode parecer dar uma resposta concreta para comportamentos difíceis de explicar.

E a crença em que a genética possa iluminar os aspectos metafísicos de ser humano é, para alguns, o corolário da esperança cada vez maior de que ela possa curar doenças. "Mais e mais histórias sobre quem nós somos e como vivemos estão se tornando moleculares", disse Paul Rabinow, antropólogo da Universidade da Califórnia em Berkeley, que estuda a inter-relação entre ciência e cultura.

"A velha visão de mundo liberal de que tudo é uma questão de força de vontade ainda está presente na América, mas a genética se tornou uma forte contracorrente".

Isso talvez se deva em parte ao fato de que a ciência ficou mais confiável. Armados com a seqüência do genoma humano e com ferramentas que podem bisbilhotar de forma barata a constituição genética de cada pessoa, os cientistas hoje podem apontar genes particulares envolvidos com traços hereditários.

Esses métodos, desenvolvidos para dissecar a base genética de doenças como o câncer, estão sendo aplicados hoje em áreas menos urgentes como a forma pela qual os genes influenciam o desejo sexual.

Embora os cientistas ainda estejam por demonstrar qualquer causa genética direta para um comportamento, eles encontraram associações plausíveis. Para algumas pessoas, isso é tudo o que importa.

Alguns insistem em acreditar no poder do espírito humano, mas um número crescente de pessoas prefere submetê-lo a um teste de DNA.

Na onda da descoberta de que pessoas que carregam uma dada variação genética tendem a ganhar peso, Mike DeWolfe, programador de computadores que se considera obeso, não consegue deixar de pensar que é um deles.

"Eu realmente queria fazer um teste, porque aliviaria minha culpa", disse.


Data: 20/06/2006