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Intelectuais assinam manifesto contra Estatuto da Igualdade Racial

Documento assinado por 114 pessoas alerta que projeto vai dividir País e acentuar racismo, em vez de combatê-lo

O debate sobre a promoção da igualdade racial ganhou nova amplitude. Na última sexta-feira, 30, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), receberam um documento que se opõe de forma veemente aos projetos de lei de cotas raciais e do Estatuto da Igualdade Racial, que tramitam no Congresso.

Entregue pela antropóloga Yvonne Maggie, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e pelo militante negro José Carlos Miranda, do Movimento Negro Socialista, o texto é assinado por 114 pessoas, a maioria pesquisadores acadêmicos.

Eles argumentam que, em vez de acabar com a discriminação, os projetos podem acentuá-la. "Corremos o risco de dividir a Nação brasileira entre brancos e negros", disse a antropóloga, durante a conversa com os parlamentares.

Entre os signatários do documento figuram alguns dos mais respeitados nomes nos departamentos de ciência política e antropologia das universidades brasileiras, como Gilberto Velho, Eunice Durhan, Luiz Werneck Vianna, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Oliveiros Ferreira, Wanderley Guilherme dos Santos, além de artistas como Caetano Veloso, Ferreira Gullar e Zelito Viana.

Na opinião deles, o estatuto passará a definir os direitos da pessoa com base na cor da pele, pela raça, prática "cujas tentativas já foram dolorosamente condenadas pela história".

Para Yvonne Maggie, a melhor forma de combater o racismo é eliminar o conceito de raça e encontrar outras formas de inclusão, como o aumento do número de vagas nas universidades públicas.

O manifesto sustenta que "a adoção de identidades raciais não deve ser imposta e regulada pelo Estado". Defende, ainda, que "políticas dirigidas a grupos sociais estanques em nome da justiça social não eliminam o racismo e podem até produzir efeito contrário, dando respaldo legal ao conceito de raça e possibilitando o acirramento do conflito e da intolerância".

O texto conclui da seguinte maneira: "A verdade amplamente reconhecida é que o principal caminho para o combate à exclusão social é a construção de serviços públicos universais de qualidade nos setores de educação, saúde e previdência e em especial a criação de empregos.

Estas metas só poderão ser alcançadas pelo esforço comum de cidadãos de todos os tons de pele contra privilégios odiosos que limitam o alcance do princípio republicano da igualdade política e jurídica”.

Renan concordou que serão necessárias mais discussões sobre os projetos das cotas e do estatuto "para evitar que provoquem novas divisões na sociedade". Aldo disse que é preciso entender melhor como se dá a prática de racismo no Brasil para a adoção de políticas adaptadas à realidade nacional.

A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, criticou o documento. Em entrevista ao Estado, afirmou que, embora se diga que somos todos iguais perante a lei, com os mesmos direitos, isso não ocorre no cotidiano dos brasileiros.

"Há estudos de acadêmicos respeitados, como os de Fulvia Rosenberg, da Fundação Carlos Chagas, segundo os quais erramos quando dizemos evasão escolar em relação à população negra, porque na verdade os negros são expulsos dos bancos escolares", disse.

A ministra lembrou, também, que estão sendo discutidas medidas emergenciais, que não devem permanecer ao longo da história. "É para atender a uma situação marcada por disparidades e desigualdades. Haverá um dia em que não necessitaremos mais dessas leis”.

As considerações dos acadêmicos, segundo Matilde, são bem-vindas e ajudam a enriquecer o debate. "Não podem impedir, no entanto, a execução de uma agenda do poder público, nem se sobrepor à análise do nosso cotidiano, no qual, em pleno século 21, as populações negras e indígenas estão excluídas dos bens e serviços públicos”.

Para a ministra, não existe divergência entre ela e os intelectuais sobre conceitos relacionados à questão racial. As divergências referem-se à forma de combate às desigualdades.

"Não se combate a exclusão apenas com políticas de universalização dos serviços. São necessárias ações afirmativas em situações emergenciais”.

A idéia do documento com a assinatura de um conjunto de intelectuais, artistas e representantes do movimento negro surgiu a partir da publicação de artigos isolados em jornais e publicações acadêmicas.

Teve rápida adesão. Segundo o cientista político Luiz Werneck Vianna, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), o tema ainda não foi devidamente discutido.

"Estamos diante da possibilidade de vermos aprovados um projeto que pode deixar um rastro muito triste na história do País, uma cunha racial", disse ele.


Data: 03/07/2006