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Universo eterno, vida eterna? - Artigo

Para se adaptar ao aumento da entropia, a vida terá de mudar

Marcelo Gleiser - Professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA).

 

Em 1979, o físico e autor Freeman Dyson publicou um artigo no periódico científico "Reviews of Modern Physics" no qual especulava sobre o futuro da vida num Universo que existiria para sempre.

A questão está ligada com a descoberta de que o Universo está em expansão, com as galáxias afastando-se umas das outras cada vez mais rapidamente, com velocidade proporcional à sua distância.

Se o Universo continuar essa expansão para sempre, podemos antever um futuro em que as distâncias entre as galáxias serão tão imensas que mal será possível receber informação das vizinhas: cada uma será, de certa forma, seu próprio universo, isolado na imensidão do vazio cósmico.

Para piorar, à medida que o Universo expande, ele resfria. As estrelas vão gastando seu combustível, eventualmente chegando a um estado final cuja temperatura também cai com o tempo. O quadro não é dos mais aprazíveis.

Mas Dyson, reconhecidamente um otimista, tentou encontrar uma saída, mesmo dentro dessa situação desesperadora. Será que a vida é possível dentro de um Universo cada vez mais frio e mais vazio?

Para refletir sobre a questão, precisamos estabelecer do que a vida precisa para existir. Essencialmente, preservar a vida de um organismo é equivalente a preservar sua capacidade metabólica de transformar energia de fora em energia interna. Isso é o que fazemos ao nos alimentarmos.

Para tal, organismos consomem uma certa quantidade de "energia livre", a energia que podem usar de forma útil. Esse consumo é usado pelo organismo para processar informação e acaba produzindo entropia, o oposto de informação.

Entropia é uma medida de desordem: quanto mais entropia num sistema, menor sua energia livre e sua utilidade para um organismo. O desafio para a vida eterna é manter-se ativa num Universo com cada vez menos energia livre. A luta da vida é uma luta contra a entropia que, inevitavelmente, continuará a crescer sempre.

Se a vida for consciente, sua experiência da passagem do tempo dependerá da taxa com que processar informação. Para que a vida exista para sempre num Universo com uma reserva finita de energia livre é necessário que a quantidade de informação processada seja infinita, enquanto que a energia total consumida seja finita. Como fazer isso?

O organismo terá que adaptar a taxa com que processa informação, reduzindo-a de acordo com a queda de temperatura. Ou seja, na medida em que o tempo passa, o organismo terá que processar menos informação, sempre da forma mais eficiente possível. De modo a não sacrificar muito a qualidade de vida, a solução é fazer o que fazem os animais em climas frios: hibernar.

Eles fazem isso justamente porque a quantidade de alimentos, a oferta de energia livre, é menor no inverno. A diferença é que, para os organismos do futuro, os períodos de hibernação terão que ser cada vez mais longos, de modo a consumir quantidades cada vez menores de energia livre.

Mas a situação não é de todo má, especialmente porque, como não há informação processada durante a hibernação, não há também memória do período: será como despertar de uma noite sem sonhos.

Existem, claro, detalhes que, devido ao pouco espaço que resta aqui, devo deixar de lado. Por exemplo, o organismo precisará de um despertador, que consumirá energia. Mas a reflexão é importante e divertida.

E, nas entrelinhas, uma mensagem: vivemos numa época privilegiada, onde energia é abundante. Mas não é infinita. A menos que optemos pela hibernação e menos memórias, é bom aprendermos a preservá-la.


Data: 17/07/2006