topo_cabecalho
Reunião Anual da SBPC: Lugar de polícia é na... Universidade

Secretaria Nacional de Segurança Pública forma rede de 22 instituições para ministrar cursos de especialização

Enquanto PCC e outras organizações criminosas atuam para deixar a sociedade brasileira amedrontada, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça prepara uma reação inesperada: atuar na educação das forças policiais para reduzir a violência e reforçar os direitos humanos.

É essa a idéia por trás da formação de uma rede que reúne 22 instituições de ensino superior – inclusive a Universidade de Brasília (UnB) – para ministrarem cursos de especialização.

A intenção é formar mais de 10 mil operadores da segurança pública (policiais civis e militares, bombeiros e guardas municipais), o que representa 2% da força do país. O investimento total é de R$ 140 mil por curso.

As aulas são ministradas em ambiente presencial e virtual por 63 telecentros espalhados pelo Brasil e a estimativa é que até o final de 2006 outros 140 sejam inaugurados. As informações foram divulgadas pelo diretor da Senasp, Ricardo Balestreri, no encontro aberto Tecnologias Sociais: Cursos de Especialização em Segurança Pública, realizado na tarde de terça-feira, 18 de julho, na 58ª Reunião Anual da SBPC, que acontece até 21 de julho na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“O foco da secretaria é trabalhar temas de direitos humanos de maneira transversal em todas as ações na área para colocar o policial como promotor desses conceitos e agente de transformação social”, explica Balestreri.

Organização

O curso de especialização da UnB deve começar já no segundo semestre de 2006. Serão oferecidas 50 vagas, das quais 40 serão pagas pela Senasp e destinadas exclusivamente a integrantes das forças de segurança e as outras dez abertas ao público em geral. A formação terá 450 horas e vem sendo estruturada desde dezembro de 2005. Para o vice-coordenador do curso e professor do Departamento de Sociologia da UnB Arthur Trindade, falta capacitação específica para os profissionais que lidam com o setor, não só os policiais.

“Essa ausência de capacitação tem dificultado a adoção de novas iniciativas na área, apesar de isso não resolver tudo”, afirma Trindade. Na análise dele, o que está em jogo é a formação de um campo específico de conhecimento sobre o setor. O especialista detecta ainda que existe grande dificuldade no diálogo entre políticas dentro e fora dos estados e que parte dos esforços de integração pode ser potencializada pela formação. Mas Trindade tranqüiliza e desmistifica a alta organização dos criminosos propagada pela mídia.

“Há um senso de orquestração de ações e isso causa espanto. Mas eles (os criminosos) estão longe de ter uma estrutura poderosa como se tem falado”, afirma.

Humanismo

Balestreri faz leitura semelhante à de Trindade e aponta que uma das soluções é reformar o sistema penal para que se evite a mesclagem entre bandidos de alta periculosidade e aqueles que não oferecem tanto perigo à sociedade.

“Da forma como está, as penitenciárias e cadeias funcionam como escolas do crime e os chefões acabam ameaçando os mais fracos para que façam sua vontade”, explica o diretor da Senasp. Um dos caminhos para isso, segundo ele, é a separação por nível de periculosidade e o aumento da aplicação de penas alternativas.

Na avaliação do diretor, o principal aspecto que precisa ser trabalhado nos cursos de especialização é a dissociação entre a ação policial e o senso comum, que defende a solução dos problemas pela eliminação, o machismo e a truculência. “Mas não é assim que funciona. As questões precisam ser trabalhadas com inteligência política, humanística, sociológica de forma que os agentes da segurança pública sejam capazes de interpretar dados e ter autonomia moral e intelectual para agir”, explica. A visão dele é de que a violência não se combate com truculência.

Resistência

No entanto, esse não é um processo fácil. Participante do encontro aberto, o professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Roberto Kant de Lima relata que ainda há pouca abertura para isso no campo da ciência. “Quando começamos a levar policiais para o campus, chegaram a pensar que estávamos sendo invadidos. Quando contei que os havia convidado, cheguei até a ouvir que aquilo era um absurdo e que eu estava ‘entregando o ouro ao bandido’. Até hoje tem gente que me odeia por isso”, comenta.

Mas a intenção da Senasp é justamente mudar esse quadro. Para isso, os cursos de especialização trabalharão em três eixos principais: tecnologia, inteligência e transversalidade de direitos humanos. “Existe correlação entre a ação policial e o aumento ou diminuição do crime. Está comprovado que a nossa forma de atuar funciona como estímulo às ações criminosas”, indica Balestreri. Por isso, ele revela que a aposta da Senasp com a parceria é humanizar o trabalho da segurança pública. “Mas isso não significa que teremos uma polícia frouxa e sim que sua atuação precisa ser feita com base na racionalidade, técnica e ciência”, destaca.


Data: 19/07/2006