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Evando Mirra enfoca interdisciplinaridade, tecnologia e inovação na Reunião Anual da SBPC

"Inovação é uma mudança nas regras do jogo. Implica mudança de atitude, de olhar"

Evando Mirra (ABDI), na conferência sobre o tema Tecnologia, nesta terça-feira, destacou como uma sinalização positiva a incorporação da interdisciplinaridade, tecnologia e inovação na pauta da Reunião Anual deste ano. Estas áreas estão indissoluvelmente ligadas, observou, após ter sido apresentado pelo presidente da SBPC, Ennio Candotti.

"Criar um objeto tecnológico é um jogo. Inovação é uma mudança nas regras do jogo. Implica mudança de atitude, de olhar", conceitua Evando Mirra. Para ele, ciência e tecnologia formam um par que dança enlaçado ao som da mesma música. Técnica é um hábito que se adquire culturalmente, acrescenta.

"A inovação tecnológica é indissociavelmente técnica e social. No modo de evolução do objeto técnico ele vê "uma dinâmica interna de concretização, em contraponto com os condicionantes externos econômicos e sociais".

Ao conceituar tecnologia como sistema, Mirra observa que esta "representa uma atividade socialmente organizada, baseada em planos, perseguindo objetivos definidos e de caráter essencialmente prático. Esta atividade se insere em um conjunto articulado: as técnicas, em diferentes graus, dependem umas das outras, há entre elas uma certa consistência, o seu conjunto articulado compõe um sistema", observa.

O conferencista cita Marcel Mauss, que avalia a tecnologia como "fato social total". A complexidade das interações do fato tecnológico implica mais diretamente os setores da pesquisa e da produção, movimenta malha ampla e complexa em toda a sociedade - empresas, instituições financeiras, laboratórios de pesquisa, instituições de ensino, agências de governo etc, e depende das relações entre esses agentes e essas instituições.

Ao explicar a origem da palavra técnica, Mirra remete ao grego tekhné, que significa arte, sagacidade, habilidade de fazer as coisas com certa desenvoltura. Por outro lado, 'máquina' tem origem em mekhané, que é maquinação, artifício, e 'mecânica' (mekhanikê tekhné), significa a esperteza.

Para Aristóteles, segundo o conferencista, a técnica é uma hexis poiètikè, hábito, disposição criadora adquirida. "É um produto característico da cultura, manifestação da criação de conjunto que representa cada forma de vida social, elemento de constituição do mundo enquanto mundo humano".

Mirra assinala que a C&T agrega valor à produção, gera cadeia de valor e coloca a educação em um lugar estratégico. O cenário atual é de implicações das novas tecnologias, novas relações entre C&T e a convergência tecnológica, constata. Como exemplo, cita a TV Digital, cujo marco legal cobre os campos das Telecomunicações e do computador.

A convergência tecnológica envolve as ciências da nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação e comunicação e as ciências cognitivas, que incluem a neurociência, pontua Evando Mirra. Um novo cenário está sendo formado pelas tecnologias da informação e comunicação, biotecnologia, nanotecnologia, genômica, robótica, materiais avançados e energias alternativas.

Segundo Mirra, a cultura da inovação responde por metade do PIB nos países desenvolvidos.

"O conhecimento é a nova forma de riqueza das nações", conceitua o conferencista. Ele cita a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): "investimentos crescentes em conhecimento são o vetor chave do desempenho econômico e estão associados à emergência de uma sociedade mais interconectada (networked), onde criação e aplicação do conhecimento tornam-se cada vez mais colaborativos."

Com base em pesquisa da Merryl Linch, o conferencista mostra na história os ciclos das tecnologias-chave no crescimento, marcada pelos têxteis entre 1771 a 1853, no início da Revolução Industrial, das estradas de ferro em 1825 a 1913 e dos automóveis entre 1886 a 1969.

A informática veio com a segunda revolução, entre 1939 e 2025. Segundo o estudo, em 1997 começou a nanotecnologia, que deverá dominar o cenário até 2081.

Na nanotecnologia brasileira, ele destaca as realizações da "Língua Eletrônica" da Embrapa, cujos sensores são nanoeletrodos de ouro - 8.000 deles equivalem ao diâmetro de um fio de cabelo.

Mostra também lipossomas como sistema de liberação de fármacos com aplicações na estabilidade e direcionamento de drogas. Destaca ainda novas tintas automotivas auto limpantes, que não riscam e não perdem o brilho.

Uma outra nano-aplicação, desenvolvida por Fernando Galembeck, da Unicamp, torna a madeira auto-limpante, não-molhável e resistente ao ataque de fungos.

No cenário atual, Mirra enxerga "janelas de oportunidade". Ele explica que as mudanças em curso do cenário tecnológico poderão se constituir em verdadeiras "janelas de oportunidade" para os países que, embora não tenham participado do desenvolvimento das tecnologias que marcaram o avanço da economia no passado, têm hoje base científica para se envolver nesse processo.

O cenário potencial da transdisciplinaridade, citado por Mirra com base em Helga Nowotny, aponta para o fato de que "a pesquisa contemporânea é realizada cada vez mais em um contexto de solução de problemas".

Segundo a autora, "múltiplos atores aportam uma heterogeneidade essencial de habilidades e expertise. Gera-se, assim, um fórum que fornece novo foco para o empreendimento intelectual". Sobre esta perspectiva, o conferencista recomenda o site Interscience.

Uma vantagem para o Brasil – coloca – é que as tecnologias são cada vez mais multidisciplinares. Conforme Mirra, jovens doutores, que trabalham nas novas áreas do conhecimento são mais receptivos ao trabalho nos moldes da interdisciplinaridade.

Nos últimos slides da sua apresentação, Mirra exibiu imagem do filme 'Gladiador', em que o ator Russel Crowe fala frente a um tigre na arena, para os seus companheiros: "Quando abrirem os portões, se nós ficarmos juntos, sobreviveremos".

Os Sistemas Nacionais de CT&I, segundo Mirra, demandam resposta para a complexidade das interações (locais, nacionais e internacionais) entre instituições, empresas e indivíduos. Diante do fato, ele recomenda fortalecer a colaboração, o 'networking', estimular a formação de 'clusters', o fluxo de conhecimento entre empresas e instituições de pesquisa, as mudanças institucionais, o empreendedorismo.

Evando Mirra expôs uma planilha que compara as 'janelas de oportunidade' para os países que têm base científica e tecnológica em que perfila o desempenho do Brasil com relação ao padrão mundial e ao dos EUA. Na agricultura, o país está com o índice de 4,86, quando a média mundial é de 2,5. No Brasil, os maiores índices são registrados pelas áreas de física (17,19); clínica médica (14,58) e química (13,55).

Segundo Mirra, quando chega nas engenharias, o desempenho do Brasil, ao contrário de Singapura, Malásia e Coréia do Sul, começa a complicar, e na biologia.

"Já há um volume de competência científica no Brasil capaz de fazer muitas coisas. Somos capazes de fazer ciência de alto padrão", disse o conferencista. Como exemplos das áreas competitivas do Brasil, cita as energias alternativas e a exploração de petróleo em águas profundas.


Data: 19/07/2006