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Reunião Anual da SBPC: Em defesa da maconha, mas para uso terapêutico

Para Elisaldo Carlini, professor da Unifesp e diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), não há empecilho de ordem científica para a liberação do uso médico da maconha

O tema é polêmico e reuniu um grande público na manhã nesta quarta-feira, terceiro dia da Reunia Anual da SBPC, para assistir à conferência de Carlini, que estuda o assunto há 50 anos. Ele defendeu o uso terapêutico do delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, especialmente em casos de doenças como a esclerose múltipla.

Identificado em 1964, o THC está atualmente classificado pela Convenção de Psicotrópicos da ONU na lista I (com efeitos psicotrópicos, mas nenhum uso médico) e na lista IV (com propriedades particularmente perigosas). Um potencial de perigo semelhante ao da heroína, considerado um absurdo por Carlini.

“Não há nenhuma razão farmacológica, terapêutica ou médica para isso. Não podemos comparar as propriedades do THC às da heroína, elas não se assemelham”, afirma o diretor do Cebrid.

Ele disse que um grupo de pesquisadores ligados à Associação Brasileira Multidisciplinar sobre Droga (Abramd) vai lançar, no próximo dia 10 de agosto, um documento com 30 páginas sobre os efeitos da maconha em uso terapêutico. A idéia é informar a sociedade sobre o assunto e encaminhar o documento ao governo, em defesa da mudança na retirada do THC da lista IV da ONU.

Demonização

Segundo Carlini, existem registros do uso da maconha como medicamento há pelo menos 5 mil anos. No século XIX, a droga passou a ser utilizada na Europa, graças a estudos que descreviam suas propriedades médicas, especialmente no alívio da dor de origem nervosa e na ação de relaxamento muscular.

No Brasil, o Formulário e Guia Médico, de Pedro Napoleão Chernoviz, recomendava em 1888 o uso de cigarrilhas contendo o princípio ativo da maconha para combater bronquite crônica, asma e tuberculose. Em 1930, o Catálogo de Produtos Farmacêuticos foi publicado com indicações da maconha como calmante e anti-espasmódico, em quadros de dispepsia, insônia, nevralgia, perturbações mentais e asma.

Entretanto, a maconha passou a sofrer de uma verdadeira “demonização”. Carlini explicou que o Brasil teve participação fundamental nesse processo, quando defendeu na II Conferência Internacional do Ópio, em 1924, que a substância utilizada como medicamento era mais perigosa que o ópio. Com isso, ao lado do governo do Egito, o Brasil conseguiu a proibição da venda da maconha.

Além disso, houve à época o lobby da indústria da fibra sintética. Segundo Carlini, o representante do Ministério da Saúde dos EUA, que investiu fortemente contra a maconha, era sócio de fábricas produtoras da nova fibra.

A recente retomada de estudos sobre da maconha, com a identificação de seus componentes químicos, contribuiu para melhorar o status social da planta. Além da descrição de 66 canabinóides, entre eles o THC, já se sabe que existem dois endocanabinóides naturais, produzidos pelo cérebro. Os estudos seguintes levaram ao desenvolvimento de um antagonista dos receptores cerebrais para o THC.

O avanço das pesquisas fez com que se comprovassem os efeitos do THC na redução das náuseas e vômitos pós-quimioterapia e o aumento do apetite em pacientes de AIDS e câncer. Estudos mostram ainda a grande eficácia da maconha, mesmo na forma do cigarro, em atenuar as dores neuropáticas entre pacientes com esclerose múltipla.

Atualmente, 13 estados dos EUA permitem o uso controlado da substância. Na Holanda, a maconha já é considerada medicamento, sendo cultivada pelo próprio governo e distribuída no sistema de saúde mediante controle. Alemanha, Suíça, Reino Unido e Canadá já têm suas Agências Nacionais da Cannabis, exigência da ONU para a comercialização para fins terapêuticos.

Burocracia

No Brasil, apenas a Unifesp e USP/Riberão Preto realizam pesquisas com a maconha na área clínica. Para desenvolvê-las, é preciso aprovar o projeto primeiro na Comissão de Ética da instituição e depois na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).

Daí, o pesquisador precisa obter a licença para importação do princípio ativo ou para obter a droga no país, o que não é fácil. Carlini reclama da burocracia existente não só para o estudo com a maconha, mas com as plantas medicinais em geral.

“Estou profundamente pessimista com o futuro das pesquisas. Aqui o pesquisador não pode trabalhar com plantas medicinais, porque ele vai para a cadeia”, desabafou. Apesar disso, ele não perde as esperanças: “Não passa mais quatro ou cinco anos sem que o uso da maconha para esclerose múltipla seja realidade para nós”.

Sobre questões legais, Carlini defende a despenalização do uso de maconha, sob qualquer forma, mas é contra a legalização. “Não podemos repetir os erros cometidos, do ponto de vista social, com o álcool e o cigarro”, disse.


Data: 19/07/2006