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SBPC quer revogação imediata de MP que estabelece regras para o acesso ao patrimônio genético brasileiro

Presidente da entidade acredita que suspensão da medida diminuirá embaraços legais à ciência brasileira

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, afirmou à UnB Agência que a entidade é favorável à suspensão imediata da medida provisória (MP) 2162-12/01, que estabelece regras para o acesso ao patrimônio genético brasileiro, regula a bioprospecção e cria o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético. “Ela causa mais danos do que benefícios”, afirma Candotti. O consenso saiu de uma reunião, feita por um grupo de trabalho de especialistas e cientistas, na manhã de quinta-feira, 20 de julho, na UFSC, em Florianópolis, onde ocorre a 58ª reunião anual da SBPC.

Toda essa polêmica está relacionada à autuação do Museu Paraense Emílio Goeldi, feita ontem pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O museu foi notificado porque um mestrando da instituição, com licença para coleta de espécies de serpentes na Floresta Nacional de Caxiuanã, capturou 30 animais a mais do que a autorização permitia. Cumprindo as normas de pesquisa, ele relatou isso ao Ibama e pediu nova licença, mas o Museu acabou sendo acusado de abuso na coleta.

O fato causou indignação na comunidade científica, que resolveu manifestar-se de maneira contundente. Como presidente da maior entidade de ciência e tecnologia do país, Candotti defende o estabelecimento de legislação adequada para resolver os problemas enfrentados pelos cientistas e acredita que, em curto prazo, esse é o melhor caminho para evitar novos constrangimentos à ciência brasileira como os sofridos pelo Museu Goeldi.

“É necessário estudar elementos essenciais para definir restrições e deixar a ciência fazer seu trabalho”, destaca o presidente da SBPC. Candotti indica ainda que o discurso da ciência e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) ainda não está afinado em relação a isso e considera que não é possível controlar a biodiversidade brasileira apenas com legislações. “É preciso conhecimento. E não só o científico, mas também o de comunidades tradicionais e dos indígenas”, destaca.

Ampla discussão

No entanto, para o diretor de Patrimônio Genético do MMA, Eduardo Velez, a solução não é tão simples assim. Ele explica que a simples revogação da MP não resolverá o problema das atividades de campo em unidades de conservação, da qual o texto não trata. A solução, segundo ele, é uma reformulação legal que alcance também a Lei de Fauna (que é de 1967) e a Lei de Crimes Ambientais. “A coleta e a obtenção de amostras precisam de legislação específica que já vem sendo trabalhada pelo governo em parceria com sociedades científicas”, aponta Velez.

Ele se refere às duas instruções normativas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que tratarão da emissão de licenças para os cientistas. Será criado um sistema via internet no qual as autorizações poderão ser emitidas diretamente pelos pesquisadores. Isso deve começar a funcionar a partir de agosto.

“É preciso diferenciar coleta de material biológico e acesso ao patrimônio genético da biodiversidade. A MP é sobre o segundo tema, referente a procedimentos laboratoriais. Mas a maior parte dos problemas sofridos pelos cientistas diz respeito ao trabalho de campo, que não é competência desse texto especificamente”, detalha.

Devastação

Além disso, Velez adianta que o governo deve colocar em consulta pública, ainda no segundo semestre de 2006, um projeto de lei sobre o acesso aos recursos genéticos da biodiversidade, que seria o documento destinado a assumir o lugar da MP que Candotti quer ver revogada imediatamente. Velez esclarece ainda que, mesmo altamente criticada, a MP já passou por diversas alterações ao longo de sua existência e que isso é necessário a qualquer instrumento legal sobre a área.

“A regulação precisa ser monitorada de perto para poder ser constantemente aperfeiçoada. As instruções normativas do Ibama remediam o problema em curto prazo, enquanto a discussão maior não ocorre”, aposta.

O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Peter Mann de Toledo, destaca que é necessário agilizar o acesso da ciência ao patrimônio natural, porque ele vem se perdendo ao longo dos anos. Ele revela que o impacto causado pela coleta de amostras é ínfimo perto da destruição e devastação que vêm acontecendo.

“Na Amazônia, em 2005, perdemos três bilhões de árvores. A ciência tira apenas 0,01% disso para seus estudos e coleções”, revela. Toledo aponta ainda que as coleções e inventários taxonômicos nacionais têm 30 milhões de exemplares, o que representa apenas 10% do instituto norte-americano Smithsonian.


Data: 21/07/2006