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Reunião Anual: Um novo olhar sobre a Amazônia das corporações e movimentos sociais

Bertha Becker apresenta estudo sobre Logística e Configuração do Território Brasileiro

O Centro Oeste configura um novo território baseado na logística, que alinha a produção da soja à corporação estrangeira, domínio do mercado com estrutura de armazenagem, transporte terceirizado, telecomunicações e redes políticas com a ascensão do Blairo Maggi ao governo do Mato Grosso.

Esta nova realidade, na qual o Estado perde controle direto da territorialidade, foi analisada nesta quinta-feira na conferência Logística e Configuração do Território Brasileiro, na Reunião Anual, por Bertha Becker (UFRJ). Geógrafa que há 30 anos estuda a Amazônia, ela apresentou pela primeira vez sua nova área de pesquisa.

Com as mudanças recentes sob os impactos da globalização, a Amazônia passou a ser usada com vista ao mercado mundial de proteína, com a expansão da soja na Amazônia Legal, no cerrado, Centro Oeste, Mato Grosso e Tocantins. A fronteira em expansão, que já foi muito intensa, está penetrando na área de florestas.

"Estamos vivendo um processo de mercantilização da natureza, com interesses internacionais pela água, o ar e a biodiversidade da Amazônia. São mercadorias fictícias", disse Bertha Becker. Porém, segundo ela, através de ficção criam-se mercados reais, a exemplo do Protocolo de Kyoto, para troca de poluição dos países desenvolvidos pelo investimento onde existem as florestas.

Todavia, a conferencista observa que ainda não viu nada de substancial com relação a pagamento pelo Protocolo, mas escambo, e informa que estão em curso dois grandes projetos de gestão da bacia amazônica, pelo BID e Usaid. "Há uma certa corrida hoje em direção da água e financiamento das trocas de carbono", assinala.

"Hoje temos de pensar a Amazônia na escala continental. Ampliou-se a escala dos territórios a serem considerados com potencial natural muito grande", disse Bertha Becker. Segundo ela, a Amazônia já não é a mesma da década de 60 com o projeto de integração nacional, que investiu em estradas, telecomunicações, e promoveu migrações. Da população de 20 milhões de habitantes, 70% estão nos centros urbanos.

A mudança na estrutura da Região com a Zona Franca de Manaus e a exploração mineral estão em conectividade com o Brasil e o Exterior, com redes de fluxos que mudaram a estrutura sócio-regional, que era de extrativismo vegetal. A década de 80 foi marcada por conflitos de terra que levaram a uma conscientização, cujo símbolo é Chico Mendes, e trouxeram, na década de 90, o predomínio do ambientalismo com a criação de unidades de conservação e a demarcação de terras indígenas.

"A sociedade se conscientizou e se organizou em nível nunca visto", disse Bertha Becker. A pesquisadora consultou as demandas da população na área da estrada BR 363, Cuiabá-Santarém, "a primeira estrada que está sendo planejada com intuito de criar um novo modelo. A maioria das demandas gira em torno de uma maior presença do Estado. Os pequenos se sentem ameaçados e os grandes fazendeiros reclamam porque têm de preservar 80% da propriedade", relata.

Bertha Becker argumenta que o Estado é omisso na Amazônia, onde prevalece a ausência de regras do jogo. "Há leis maravilhosas, mas não são cumpridas", pontua. Segundo ela, apesar dos avanços na economia, retornam os conflitos de terra nas duas pontas da BR-363, dos quais o assassinato da irmã Dorothy Stang, é um exemplo, e avançam em direção à chamada Terra do Meio.

Para Bertha Becker, é um desafio para o país compatibilizar a inclusão social com a competição violenta em nível global. "A geopolítica pós-moderna afeta as relações entre o poder e o espaço geográfico. A geopolítica historicamente lidou com estado e território. O Estado era visto como única representação do político. Hoje, há uma ruptura dessa associação histórica. Vivemos a era da multidimensionalidade do poder, que deve ser redimensionalizado. Múltiplos atores disputam o território".

A logística, para Bertha Becker, vai além dos transportes, como conceituam os engenheiros, e se expressa em fluxograma de um sistema de vetores que envolve produção, transporte, distribuição, telecomunicações, informações, consumo e poder. Um exemplo é o Estado do Mato Grosso, compara. É estabelecido um fluxo de redes com capital, informações e mercadorias, com sustentação econômica.

Outro fluxo, conforme observa a conferencista, é estabelecido pela rede de mais de 300 ONGs que recebem muito apoio internacional para atuação conjunta na Amazônia, que envolvem o GTA e movimentos indígenas. Há uma internacionalização dos movimentos sociais, com redes de informação que são geradas dos países centrais, que se traduzem no Fórum de Porto Alegre.

"Às vezes, a Amazônia é usada para pressionar o governo brasileiro em certas decisões", afirma Bertha Becker. A dinâmica do território é regulada por meio de articulações nacionais e negociações, num cenário em que o Estado central tem de negociar e não executa as políticas.

Na pesquisa, Bertha Becker analisou a logística da Petrobras, CVRD e de duas corporações, a Bunge e Cargil. Para ela, a Petrobrás exerce papel fundamental como esteio do desenvolvimento do Brasil, com a produção, consumo, rede de distribuição, e logística, que expandiu o território brasileiro com as ações no mar, e atua no Sul da América Latina. A conferencista considera a perda da unidade da Petrobras na Bolívia um abalo para o Brasil.

Ao analisar as grandes redes de serviços básicos de saúde, Bertha Becker constatou que a de neurocirurgia, mais cara, está concentrada nas capitais, enquanto há maior interiorização do atendimento hospitalar básico. Na educação, ela observa um avanço com a criação dos campi avançados das IES. Por outro lado, observa declínio na rede rodoviária e de aviação, da qual é uma característica a crise da Varig. Vê a rede fluvial fracamente utilizada em 25% da capacidade e a infra-estrutura de portos, com gestão privada e concessões, em crescimento e modernização.

"A rede de armazenagem empresarial é poderosíssima, ligada à agroindústria, enquanto declinou o sistema de armazenagem que havia sido montado pelo Estado", conta Bertha Becker. A pesquisadora recomenda o desenvolvimento de uma logística de pequenas armazenagem e distribuição intermodal para suplementação alimentar para produtores familiares.

Na rede de energia, por outro lado, ela registra "surpresa agradável" pelo equilíbrio entre biomassa, petróleo, hidrelétrica e gás natural. Nas ferrovias, também vê eficiência, ao observar que, após a privatização, não foi ampliada a malha, mas otimizado o uso das linhas e com máquinas novas.

Como desafios, Bertha Becker assinala que cabe ao Estado o investimento no fortalecimento da atuação das redes de saúde, educação, segurança pública, informação, ciência e tecnologia, que considera fundamental para o estado. Para ela, no planejamento no padrão de redes é recomendável direcionar para o interior uma rede de mercado interno, que do ponto de vista sócio-econômico é fundamental para o país.

Para a Amazônia, Bertha Bechar recomenda redes high tech, avanço no transporte fluvial para a circulação da pequena e grande produção, de modo a evitar o risco de desmatamento, gestão da bacia hidráulica e da circulação aérea num modelo intermodal, apoiado em ferrovia, que considera menos destrutiva que a rodovia. "A logística tem de estar de acordo com as necessidades sociais, sem destruir a natureza", afirma.


Data: 21/07/2006