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Contra a crise, universidades vão ao mercado financeiro

Instituições profissionalizam a gestão, fogem dos juros bancários e colocam papéis à venda

A crise no ensino superior brasileiro privado fez com que universidades começassem a buscar recursos no mercado financeiro. Numa operação inédita no setor da educação, elas têm emitido debêntures, ou seja, colocado papéis da instituição à venda.

O dinheiro, usado para sanar dívidas e fazer investimentos, tem de ser devolvido depois de um período determinado. Os juros, no entanto, são mais baixos que os bancários. Para educadores, essa é uma forma de profissionalizar a gestão e impedir o fechamento de universidades.

A operação mais recente é a da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), que acabou de receber a autorização para a emissão de R$ 40 milhões em debêntures.

"O ensino superior mudou nos últimos anos, a concorrência aumentou muito e precisávamos fazer uma reestruturação", diz o diretor-financeiro da universidade, Marcelo Naddae.

Como a maioria do setor, a Unicid sofre com a inadimplência, que chega a 12% ao mês. O dinheiro dos títulos, segundo ele, servirá para pagar dívidas e investir em um novo campus na zona sul da cidade. A instituição tem hoje 11 mil alunos e uma unidade no Tatuapé.

"Os alunos só ganham. Melhora a qualidade de ensino e as mensalidades não aumentam", diz o diretor-administrativo da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Luís Carlos Urbano.

A instituição foi a primeira no País a emitir debêntures em 2004 por causa de uma dívida de R$ 56 milhões. Com a operação, a Ulbra - que tem 90 mil alunos e é uma das maiores do Brasil - conseguiu 85% dos R$ 205 milhões lançados no mercado.

O dinheiro foi usado também para a construção de um hospital universitário e de um prédio para o curso de Odontologia. "Saímos do juro caro e conseguimos investir", diz Urbano, referindo-se ao que é cobrado pelos bancos. Segundo Urbano, o investimento foi feito por 25 empresas, entre elas, fundos de pensões e o Banco do Brasil.

Mesmo com a crise atual, o especialista em educação superior da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Abílio Baeta Neves acredita que as universidades ainda são consideradas bons investimentos e por isso a emissão de debêntures está funcionando bem.

"Cerca de 70% do ensino superior é privado, as pessoas acreditam que terão boa margem de lucro ao investir", diz.

Mais vagas e menos alunos

O ensino superior privado brasileiro cresceu muito no fim dos anos 90 e no início do 2000, com a mudança na concessão de autorizações para abertura de universidades e cursos.

Das 764 instituições privadas que existiam em 1998, o último censo do Ministério da Educação (MEC) mostrou 1.789 em 2004. O ritmo de crescimento tem diminuído nos últimos anos, quando se começou a constatar a saturação do mercado e falta de alunos.

Atualmente, as instituições privadas oferecem mais de 2 milhões de vagas em vestibulares. Mas só ingressam pouco mais de 1 milhão de novos estudantes. O ensino superior brasileiro - público e privado - tem hoje um total de 4 milhões de alunos.

"As universidades precisam virar corporações, não dá mais para o dono ser o reitor e a mulher dele, a vice-reitora", diz o ex-ministro da Educação e consultor Paulo Renato Souza. A emissão de debêntures não significa uma abertura do capital da empresa, já que não há ações na bolsa.

Mas, se isso começar a ocorrer no Brasil, como já acontece com algumas instituições de educação no exterior, Paulo Renato também não vê problemas. "Não tem diferença nenhuma entre o capital de uma família e o dinheiro na bolsa”.

Segundo o MEC, não há impedimento na legislação brasileira à emissão de debêntures. A reforma universitária, no entanto, impede a abertura total do capital a instituições estrangeiras. A exigência é de que pelo menos 70% do capital votante das mantenedoras pertença a brasileiros.

A UniverCidade, do Rio, que tem 34 mil alunos, está satisfeita com a opção pela emissão de debêntures, feita em 2004, diz o vice-reitor, Antônio Alvarenga. Foram lançados no mercado R$ 40 milhões. A instituição conseguiu captar R$ 22 milhões, com prazo até 2009 para pagar.

A maior parte dos recursos foi direcionada para a área de investimentos, por causa do crescimento acelerado da instituição no período imediatamente anterior à entrada no mercado de capitais. "De 2000 para cá, o número de alunos passou de 6 mil para 34 mil. Eram 4 unidades, hoje são mais de 20. Precisávamos aportar mais recursos”.

A Universidade Estácio de Sá, a maior particular do País em número de alunos da graduação, 104 mil, também está avaliando a possibilidade de captar recursos no mercado financeiro.

"Estamos estudando isso internamente. Para dar um passo dessa envergadura, precisamos fazer uma estruturação dentro da instituição. Não é algo a curto prazo", declarou o diretor Marcelo Campos, sem detalhar as mudanças que seriam necessárias.

Debêntures são papéis bastante utilizados pelas empresas brasileiras para captar recursos. A Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima) prevê que o valor total das emissões de debêntures deve superar R$ 35 bilhões neste ano.


Data: 26/07/2006