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A África do Sul já é finalista na Copa de 2010 - Artigo

A África do Sul de 2010 será herdeira da Alemanha de 2006. Uma herdeira enriquecida pela necessidade

Mauricio Murad - Professor da Uerj e do mestrado da Universo.

 

Eis um furo de reportagem! Faltam 1460 dias para a bola rolar e já há um finalista: a África do Sul. A Fifa não mudou o regulamento. As regras são as mesmas da Alemanha, em 2006. Por isso mesmo, podemos dizer: a África do Sul já é finalista na Copa de 2010.

Do logotipo - um jogador dando uma bicicleta, emoldurado pelo contorno do Continente africano e não de um país -, até as campanhas que valorizam a energia e a criatividade dos torcedores, para incentivar a sua participação em projetos de saúde, meio-ambiente, educação, emprego.

Programas de prevenção da Aids, de vacinação e higiene, de saneamento básico; planos de valorização da cultura local, de fixação do aluno na escola, investimentos em agricultura familiar e em políticas de emprego.

Tudo isso tendo o futebol como elemento motivador e propagador, de ideais de inclusão social e compromisso comunitário.

A Fifa, a Comunidade Européia, a ONU (Unesco, FAO, OMS, OIT) e as empresas patrocinadoras do evento estão oficialmente comprometidas em investir recursos financeiros e humanos, criar estruturas e condições e garantir os melhores resultados.

A África do Sul de 2010 será herdeira da Alemanha de 2006. Uma herdeira enriquecida pela necessidade.

Em 2006 a mídia mundial estampou a manchete “Itália vence na Alemanha”. Mas não foi isso exatamente o que eu vi. A copa que acabou de terminar teve uma grande vencedora: a Alemanha.

Eu sei, os rapazes de Marcelo Lippi ganharam da França de Zidane, nos pênaltis, e cerca de 3,5 bilhões de pessoas foram testemunhas.

A Itália ganhou, mas quem venceu mesmo foi a Alemanha. A Itália ganhou um torneio. Importantíssimo. A Alemanha ganhou uma alma. Indispensável. Danke. Das war richtig gut für Deutschland (Obrigado. Isso fez muito bem à Alemanha). Esta era a inscrição dos telões e dos corações. Naqueles, ao fim dos jogos; nestes, para sempre.

Meio milhão de pessoas cantaram e dançaram no símbolo histórico de Berlim, o Portão de Brandenburgo. Por causa do futebol, é evidente, mas foi muito além do futebol. Sem ele seria mais difícil chegar a algo tão representativo das multidões, tão significativo para essa nova Alemanha pretendida pelos alemães.

O futebol é maravilhoso porque é cheio de beleza, segredo, contradição. Dramático. Humano. A Alemanha não resolveu os seus maiores problemas, mas novas perspectivas e esperanças foram apontadas e isto contaminou o país, dos poderes constituídos às ruas. Como adoram o futebol! E como o futebol combina com aquelas cervejas indescritíveis e aqueles pães memoráveis.

Um mês, 64 jogos, 32 seleções. O maior espetáculo esportivo da Terra: audiência de 50 bilhões em todo o planeta. Terra. Campo. Uma dúzia de estádios abarrotados, que consumiram mais de 1 bilhão e meio de euros, em reformas e construções.

Equipamentos que ficam para as cidades, com suas lojas, redes de transporte, hotéis, restaurantes. Quase 3 milhões de empregos diretos e indiretos, muitos negócios e atividades culturais.

O Estádio Olímpico de Berlim, construído por Hitler em 1936, foi preservado e foi modernizado, do estilo arquitetônico até os "Anéis Olímpicos".

História não se apaga: conscientiza-se, transforma-se. Tradição e modernidade, eis o lema da Copa da Alemanha. Eis o lema da Alemanha. Raízes culturais e identidades coletivas somadas a novos projetos e novas possibilidades.

Seria o primeiro título mundial de futebol e não o quarto, disse com sabedoria o treinador Klismann. Isto inflamou a equipe, que se superou em campo. Falar em quarta conquista seria estatística. Falar em primeira é dar-lhe um novo sentido.

O Muro caiu em 1989 e na Copa da Itália, em 1990, vencida pela Alemanha (Ocidental), tudo era muito recente. Em 2006, sim, a primeira vitória de um novo país, de uma nova unificação alemã.

Organizar um campeonato desse é obra pra gente grande. É importante vencer dentro de campo. É mais importante vencer fora de campo. Houve muitos ganhos a partir do futebol.

As batalhas contra o racismo, o isolamento de 142 organizações neonazistas, os torneios de futebol de rua em bairros carentes, com o objetivo de inclusão social e incentivo à organização das comunidades, tudo isso foi um expressivo sinal.

Que esta tendência finque raízes. Que a Alemanha confirme sua posição de grande vencedora da Copa de 2006 e sirva de exemplo, para que na África do Sul, em 2010, o compromisso social do futebol seja ainda maior, numa realidade tão necessitada.


Data: 26/07/2006