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Resina de árvore vira antiinflamatório

Óleo da copaíba, árvore comum na Amazônia e no Centro-Oeste, foi fracionado e aprisionado em cápsulas microscópicas; Testes em camundongos sugerem que produto é duas vezes mais potente que os disponíveis no mercado, mas uso humano ainda demora.

Milhões de anos de evolução produziram, na resina de uma árvore comum na Amazônia e no Centro-Oeste, um medicamento antiinflamatório duas vezes mais potente que alguns dos mais populares do mercado hoje. Uma equipe da USP de Ribeirão Preto está explorando esse potencial, já sugerido pela medicina popular, e desenvolveu uma maneira de administrar a parte ativa do óleo da planta como remédio.

A árvore é a copaíba -ou melhor, o conjunto de árvores, já que se tratam de várias espécies com parentesco próximo entre si, do gênero Copaifera. "Na verdade, nós usamos o extrato comercial, que vem de mais de uma espécie", contou à Folha a farmacêutica Mônica Freiman de Souza Ramos, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Ela acaba de concluir seu doutorado sobre o tema na Faculdade de Ciências Farmacêuticas USP de Ribeirão Preto, sob orientação de Osvaldo de Freitas. No projeto, além de comprovar o papel antiinflamatório do óleo -a medicina popular da região Norte também o usa como antisséptico e cicatrizante-, ela caracterizou quimicamente o produto e criou uma forma de administrá-lo aos camundongos que serviram de cobaia no estudo. O processo já está patenteado.

Desmanchando no ar

A pesquisadora conta que o óleo, já bastante estudado, é composto por duas frações bem diferentes. Uma é mais pastosa, enquanto a outra é volátil, ou seja, alguns de seus componentes podem evaporar. Problema número um: é justamente nessa fração "vaporosa" que as propriedades terapêuticas do óleo parecem estar. O principal componente dessa fração é conhecido como cariofileno, embora outras substâncias também estejam ali.

O jeito foi aprisionar a parte que interessava do óleo em microcápsulas, com tamanho entre 10 e 15 mícrons (um mícron equivale a um milésimo de milímetro), por um processo que lembra a produção de leite em pó. "Como as cápsulas são microscópicas, a olho nu só é possível ver uma espécie de pó", explica Ramos.

Pelo menos em camundongos, o pó surpreendeu. Os pesquisadores induziram inflamações nas patas e na pleura (a membrana que recobre os pulmões) dos bichos e depois administraram as microcápsulas com o óleo. O potencial antiinflamatório foi cerca de duas vezes mais forte do que a do diclofenaco de sódio (mais conhecido pelos nomes comerciais Voltaren e Cataflam).

Segundo a farmacêutica, ainda é cedo para falar de efeitos colaterais, mas os dados dos roedores de Ribeirão e os obtidos por outros pesquisadores sugerem que o óleo é pouco tóxico e não causa reações adversas. A maneira como ele age também ainda precisa ser elucidada, mas há indícios de que ele interfira com o sistema de sinalização química que desencadeia a inflamação.

Uso sustentável

Se tudo der certo, os testes finais de um medicamento fitoterápico em humanos acontecerão daqui a cinco anos, estima Ramos. O fato pode ser uma boa notícia para o manejo sustentável da copaíba, já que a extração da resina mantém a árvore de pé (cada "colheita" pode ser feita a cada seis meses ou um ano, diz a pesquisadora).

"É uma prova de como a gente pode explorar bem a biodiversidade brasileira", afirma. Hoje, a planta já é explorada pela indústria de cosméticos e vernizes, por exemplo.

É bom lembrar que os resultados da pesquisa não garantem que qualquer resina de copaíba por aí terá efeito medicinal. "Há variações de árvore para árvore, e em algumas o conteúdo não-volátil pode ser muito mais abundante. É preciso tomar cuidado com isso", aconselha a farmacêutica.


Data: 27/07/2006