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Bactéria resistente já está em SP

Cepa tipo 4 de 'Staphiloccocus aureus' foi identificada em paciente internada em hospital de SP

Há 50 dias, a estudante V.Z., de 18 anos, está internada no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, onde se recupera de pneumonia e infecção generalizada. É a primeira paciente diagnosticada no País com infecção grave pela bactéria multirresistente Staphilococcus aureus tipo IV, cepa mais virulenta e de difícil combate. Formas mais brandas desse microorganismo são as principais responsáveis por infecções hospitalares.

O infectologista e diretor clínico do Nove de Julho, Antônio Pignatari, explica que a descoberta do caso de V.Z. serve de alerta para a comunidade científica, que, a partir de agora, saberá que existe o risco - em nível ainda indefinido - de novos casos. "A cultura de vigilância foi feita nos parentes da paciente e nada foi encontrado", diz ele. Esse pode ser um caso totalmente isolado ou preceder outras infecções. Ainda não é possível saber.

Os especialistas afirmam que o contágio apenas se dá pelo contato com pessoas contaminadas e não é nada fácil de ocorrer. Ou seja: não se pega pelo ar. "Não é uma bactéria de fácil contágio, mas era inevitável que chegasse ao País", diz Mariza D'Agostinho, chefe da Unidade de Terapia Intensiva do hospital. Casos de infecção por Staphilococcus aureus tipo IV já foram registrados nos EUA em jogadores de futebol americano. A hipótese mais provável é que tenham ocorrido pelo extremo contato físico entre os atletas nas competições e pelo uso comum de material de higiene pessoal, como toalhas.

Os primeiros casos no Brasil ocorreram em 2004, quando quatro pacientes com infecções cutâneas foram identificados em Porto Alegre. Foram casos leves e tratados rapidamente. A toxina produzida pela bactéria causa a necrose dos tecidos e pode ser fatal quando se instala nos pulmões.

Resistência e combate

As bactérias se tornam multirresistentes aos antibióticos à medida que se reproduzem e seu código genético sofre mutações. Os antibióticos parecem não acompanhar o ritmo da evolução adaptativa das bactérias. Ajustes na composição molecular dos medicamentos são feitos para combater as formas mais resistentes, mas esse processo só funciona um número limitado de vezes.

Recentemente, cientistas americanos anunciaram uma nova classe de antibióticos - platensimycin -, usado no combate ao Staphilococcus aureus, resistente à meticilina (derivada da penicilina), e ao Enterococos, resistente até aos mais modernos e poderosos antibióticos.

O aumento da resistência das bactérias também pode estar associado a fatores como o uso indiscriminado de antibióticos sem prescrição médica. "Todo organismo tende a tentar sobreviver, seja ele uma bactéria, um vírus ou um protozoário", diz a infectologista do Hospital Emílio Ribas Marta Ramalho. "Em situações de agressão (pelo uso de antibióticos), isso ocorre mais rapidamente." As bactérias multirresistentes mais comumente encontradas, principalmente em ambiente hospitalar, são os Staphilococcus, os Pneumococcus e os Enterococcus. "Quando isso ocorre em uma UTI e o paciente está muito debilitado, pode ser fatal."

Confusão de diagnóstico

A recuperação de V.Z. é surpreendente por tudo o que enfrentou. Mas seu estado de saúde ainda inspira cuidados. "Ela já está bem melhor e respira sem aparelhos", diz Mariza D'Agostinho, da UTI do Nove de Julho. Quando a jovem foi internada, os médicos não achavam respostas para o quadro extremamente grave. A estudante teve um pulmão perfurado pela ação da bactéria, infecção generalizada (septicemia) e grande parte do intestino grosso retirado. A estimativa mais otimista é que, até o final do ano, ela passe por mais uma cirurgia. Desta vez, para reconstrução do intestino. Até lá, terá de usar uma bolsa de colostomia.

Os sintomas começaram em maio e foram confundidos com uma gripe. Uma semana após procurar um médico, a jovem foi internada no Hospital Voluntários, com um quadro de infecção generalizada. Após dois dias, foi transferida inconsciente para o Hospital Nove de Julho. Sem respostas para o quadro da moça, os médicos começaram então a fazer uma série de exames. As hipóteses de hantavirose, leptospirose e contaminação por rotavírus foram afastadas. A vigilância sanitária passou a investigar os restaurantes e lanchonetes em que a garota costumava se alimentar, mas nada foi encontrado.

A infecção começou a ceder quando os médicos acrescentaram aos antibióticos tradicionais a teicoplanina, categoria desse tipo de medicamento usada contra bactérias multirresistentes. As suspeitas se confirmaram com exames de cultura feitos pelo Laboratório Especial de Microbiologia Clínica (Lemc) da Unifesp. Tratava-se mesmo do Staphilococcus aureus tipo IV.

A garota que sonha em ser médica dermatologista completou 18 anos na UTI, em 26 de junho, dois dias depois de sair do estado de coma em que permaneceu por 20 dias. Há uma semana, conseguiu voltar a falar e já mostra vontade de ir para casa.

A bactéria

O que é: O Staphilococcus aureus tipo IV é uma bactéria patogênica (pode causar doenças) com alto grau de virulência e resistência a alguns antibióticos

Contágio: Segundo infectologistas, o contágio é difícil, por ocorrer apenas pelo contato com uma pessoa hospedeira da bactéria. Depende ainda do grau de vulnerabilidade imunológica das pessoas

Tipo IV: A diferença entre o Staphilococcus aureus tipo IV e os outros Staphilococcus aureus está em suas características genéticas e na sua maior resistência e virulência

Antibiótico: Os medicamentos utilizados no tratamento são a teicoplanina e a vancomicina

Dois antibióticos funcionaram contra a infecção

O caso da estudante V.Z. chamou a atenção dos médicos infectologistas, mas eles advertem que essa é uma bactéria conhecida e já estudada pelos especialistas. Não se trata, portanto, de uma novidade para a ciência. A surpresa é ela ter chegado ao País e provocado um quadro extremamente grave numa paciente jovem.

Apesar da grande virulência e da resistência do Staphilococcus aureus, o contágio é muito difícil, apenas se dá pelo contato com pessoas infectadas e existem formas de tratamento. "Temos especialistas estudando o problema específico do Staphilococcus aureus", diz o infectologista e diretor clínico do Hospital Nove de Julho, Antônio Pignatari. "Esta é uma questão nova e em breve teremos as respostas."

O tratamento é feito com pelo menos dois antibióticos, a teicoplanina e a vancomicina, medicamentos da família dos glicopeptídeos. O grande problema é diagnosticar rapidamente uma infecção por essa cepa da bactéria.


Data: 27/07/2006