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Negros são apenas 33% na escola privada

Índice fica abaixo dos 48% de negros e pardos na população de 5 a 24 anos; é o primeiro levantamento de raça/cor de estudantes

Um terço dos alunos matriculados no ensino fundamental e médio de escolas particulares que declararam a etnia se considera negro (inclui a classificação "preta e parda"). Já nas escolas públicas, esse índice ultrapassa a metade, chegando a 56,4% dos estudantes.

No entanto, esse terço de negros declarados da rede particular não chega perto da proporção dessa etnia entre a população de crianças e jovens de 5 a 24 anos. Já a pública ultrapassa a média nacional.

Nessa faixa etária, segundo o IBGE, 48% dos brasileiros se dizem pretos e pardos (essa é a terminologia adotada pelo instituto).

A etnia dos estudantes foi levantada pela primeira vez no Censo Escolar 2005, feito pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Já os resultados ficaram prontos no fim do mês passado.

O órgão inseriu no questionário respondido por pais e alunos o item "raça/cor". Apesar de optativa, a autodeclaração gerou polêmica, levando cerca de 20% a não se pronunciarem.

Há uma semelhança entre as redes privada e pública, segundo o censo. O percentual de alunos pretos e pardos não varia muito entre ensino fundamental (1ª à 8ª série) e médio.

Nas escolas particulares, 34% dos alunos do fundamental que declararam a etnia disseram ser pretos e pardos -cai para 30% no médio. Já na rede pública, o índice é de 60% e 57%, respectivamente.

Diogo Rodrigues Dias, 13, aluno da 8ª série de um colégio particular paulistano, diz só ter um colega negro como ele na turma. Ele está em uma escola privada porque seu pai diz ter notado a defasagem quando tentou o vestibular e foi reprovado.

Para Tânia Portella, assessora de pesquisa da Ação Educativa, um dos fatores que podem explicar os índices da rede pública é a universalização do ensino fundamental a partir da década de 70. Isso gerou uma demanda pelo nível médio, que começa a ser suprida. Nas particulares, o percentual é considerado baixo, refletindo diferenças sociais e discriminação.

A diretora de Estatísticas da Educação Básica do Inep, Maria Inês Gomes de Sá Pestana, pondera que o boicote ao questionário pode ter contribuído para a pouca diferença entre fundamental e médio. Isso porque outros estudos já apontaram o "embranquecimento" na educação, ou seja, os negros entram na escola, mas não conseguem avançar nos estudos.

É também no ponto da permanência que o professor Marcelo Paixão, do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), foca a análise. "Não adianta simplesmente dizer o percentual de negros. Aparentemente pode ser bom. A questão é a diferença de aproveitamento ao longo da vida escolar."

O professor lembra que, à medida que os negros avançam nas séries, sobe a distorção da idade adequada. Enquanto 53% das crianças brancas de dez anos estavam na série ideal para a idade, só 35% das crianças negras se encaixavam no perfil.

A distorção sobe aos 17 anos -32% dos jovens brancos estavam na série adequada, contra 13% dos adolescentes negros.

A professora Regina Vinhaes, da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília), diz que o resultado do Censo Escolar vai ao encontro de um tema cada vez mais debatido: qualidade do ensino público.

"Mostra que a escola pública tem cumprido o caráter de permitir acesso a todos, independentemente de cor, religião. Mas aponta a responsabilidade que tem. Precisa ser um local de construção de cidadania", afirma Vinhaes.

Segundo Tânia Portella, da Ação Educativa, o fato de haver mais de 50% de alunos negros na rede pública não significa inclusão. "Incluir na educação não é apenas matricular, mas também ofertar garantias de permanência, qualidade de ensino e possibilidade de prosseguir a vida acadêmica."

Pais boicotam pergunta sobre cor

A inclusão do item "raça/cor" no Censo Escolar provocou polêmica no ano passado, levando pais e dirigentes de escolas a boicotarem essa resposta no questionário.

Isso ajuda a explicar o fato de que 17% dos alunos do ensino fundamental e 20% do médio não declararam a etnia. O Inep, órgão ligado ao Ministério da Educação, diz que a questão é uma "demanda histórica dos movimentos sociais" e por esse motivo foi incluída no levantamento.

Após seminários e encontros, o instituto optou pela metodologia utilizada pelo IBGE no Censo Demográfico, a autodeclaração. Na pergunta, o item é denominado raça/cor e as respostas podem ser: branca, preta, parda, amarela, indígena ou sem declaração.

Há especialistas que divergem dessa classificação, considerando mais adequado usar o termo negro quando se trata de pretos e pardos. No Censo Escolar, a etnia é declarada pelo pai quando o aluno é menor de 16 anos. Acima dessa idade, cabe ao próprio estudante fazer a declaração.

A diretora de Estatísticas da Educação Básica do Inep, Maria Inês Gomes de Sá Pestana, diz que a resistência chegou ao ponto de algumas escolas enviarem uma única resposta para todos os alunos. "Não avaliamos o tamanho do boicote. Mas o dado é importante como indicador da resistência", diz.

Segundo a diretora, o Inep manteve a questão no Censo deste ano. "Alguns disseram que estávamos incentivando o preconceito. Não é isso, mas sim um incentivo ao debate", afirma, dando como exemplo escolas que aproveitaram a polêmica para discutir o tema com os alunos.

A estudante Juliana Pereira da Silva, 16, foi uma das entrevistas pelo Censo Escolar que fez questão de responder sobre sua condição racial. "Respondi que era negra", recorda.

Aluna do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Armando Sestini, em Caieiras (Grande São Paulo), Juliana descobriu que era minoria na comunidade escolar depois de um trabalho feito na época do censo para saber a quantidade de alunos, funcionários e professores negros.

Apesar disso, diz não sofrer com o preconceito. "A minha professora diz que não sofro preconceito porque ando bem arrumada", completou.

Sonho

O estudante Diogo Rodrigues Dias, 13, também é minoria, mas numa escola particular. Ele realiza o sonho de seu pai, Carlos Donizeti Dias, 44, de ter um ensino de qualidade numa escola privada.

Oriundo da rede pública, Carlos percebeu que seu conhecimento estava abaixo da média na época do vestibular, no qual foi reprovado.

"Foi quando assumi o compromisso de que uma das bases da minha família seria a educação e que iria subsidiar o estudo dos meus filhos", diz Carlos, que investe 50% de seu salário como representante comercial no pagamento da mensalidade escolar do filho.

Diogo é quase uma exceção no Colégio Aliado, no Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo, onde cursa a 8ª série do ensino fundamental. "Só tenho um colega negro", disse o garoto, que lamenta o fato de a escola não tratar do tema preconceito racial, do qual diz já ter sido vítima. "Já fui ofendido, mas não respondi. Fiquei quieto."

A questão racial é apenas um detalhe para o estudante Thiago Cândido Penna Silva, 15, aluno da 1ª série do ensino médio na Escola Estadual Benedito Tolosa, na Casa Verde, zona norte de São Paulo. "Não me incomodo com o fato de ser negro. Levo numa boa."

Thiago acredita que o fato de ser extrovertido e brincalhão evita situações preconceituosas, pelas quais nunca passou. Na escola, disse ser um "tipo raro", daqueles que conversa, mas faz lição. "Sou popular, mas bom aluno. Eu me garanto", afirma.

O professor Ivan Cláudio Pereira, 37, sabe o que é ser exceção em sala de aula, tanto como educador como aluno. Tinha apenas um colega negro na faculdade de letras, o que se repete agora na Escola Estadual Afrânio Peixoto, na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, onde leciona literatura.

Cláudio acredita que sua condição é resultado da evasão de alunos negros, tanto na escola pública como na particular. "No ensino médio, o número de alunos negros despenca."

Com várias experiências de preconceito racial vividas, o professor até se diverte com algumas. "Já deixei de ser assaltado por ser negro. Porém, não me posiciono como vítima."


Data: 28/07/2006