topo_cabecalho
Opinião - Um descabido pacote para a educação

Como se vê, o interesse parece ser o de dar o diploma de nível superior a todos, sem verificar chances no mercado de trabalho ou qualidade de ensino

Paulo Ghiraldelli Jr. - Filósofo

 

O governo brasileiro anunciou no começo deste mês de julho um conjunto de medidas para o ensino. Boas medidas? Se olharmos de perto, veremos o que poucos querem enxergar.

Na educação básica o governo diz que o investimento será de R$ 400 milhões. O repasse de recursos deverá atender aos Estados enquanto não é aprovado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Os problemas básicos para o uso dos recursos, que em geral se transformam em materiais sofisticados (computadores, DVDs, etc.), são três: as escolas não têm professores para lidar com o material e dele cuidar, a administração do dinheiro é problemática e não há um programa inteligente e disciplinado que acople o que se faz em sala de aula e os recursos alocados.

Os dirigentes do País ainda não perceberam o que é o Brasil: um país onde há acesso aos meios sofisticados de ensino e comunicação (somos grandes freqüentadores da internet) e, ao mesmo tempo, um país incapaz de usufruir esses meios (são poucos os professores universitários, cientistas e profissionais da cultura que disponibilizam material na internet para acesso popular; além disso, há o problema da língua, pois o português entre os estudantes é sofrível e o inglês, desconhecido).

O governo federal criou a Universidade Aberta do Brasil, que deverá levar o ensino superior para o interior. Haverá prioridade - é o que dizem - para os cursos de licenciatura e formação para professores da educação básica. Para realização dos cursos será utilizada a estrutura de universidades públicas já existentes.

Sabemos bem como anda a universidade estatal brasileira - que não consegue desempenhar as suas funções normais corretamente. OAB e Conselhos de Medicina já se mostraram espantados com o tipo de profissional saído da rede universitária.

Esse tipo de estrutura vai arcar com cursos não-presenciais? É difícil acreditar que funcione. Além disso, na prática, a medida do governo não condiz com os objetivos expressos.

O projeto piloto da Universidade Aberta criou 10 mil vagas em cursos de Administração de Empresas em 19 Estados do País, e isso em parceria com o Banco do Brasil.

Como se vê, o interesse parece ser o de dar o diploma de nível superior a todos, sem verificar chances no mercado de trabalho ou qualidade de ensino.

O governo anunciou a construção de nove escolas técnicas em Macapá (AP), Rio Branco (AC), Campo Grande (MS), Porto Velho (RO), Canoas (RS), Brasília (DF), Marabá (PA), Nova Andradina (MS) e São Raimundo das Mangabeiras (MA).

Serão aplicados R$ 23,8 milhões nas escolas técnicas, recursos que vão levar instituições de educação profissional a todas as unidades da Federação.

Essa medida tem o cheiro da Transamazônica: investimentos altos para lugares cujo mercado de trabalho pode não absorver os formados. Além do mais, ao se notar a atual conjuntura política de alianças e de movimentação do governo, pode-se perceber que os investimentos não foram escolhidos objetivamente.

Estão sendo criadas 2.820 vagas para professores dos ensinos fundamental e médio e 3.430 vagas para servidores técnico-administrativos para atender à ampliação da rede de educação profissional.

A quantidade de funcionários ultrapassa em muito a quantidade de professores. Portanto, há um visível privilégio da máquina burocrática em detrimento dos que vão lidar diretamente com os estudantes.

Aliás, essa medida mostra bem o caráter do pacote, que é a criação de cargos sem critérios racionais que visem à melhoria do ensino.

Foi encaminhado ao Congresso Nacional o projeto de lei da Reforma da Educação Superior. O projeto prevê, por exemplo, a utilização dos resultados obtidos no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SNAES) como critério para a autorização de instituições privadas.

A reforma é um engodo, pois o SNAES, por obra deste governo, tornou as mensurações indiretas.

A nota de desempenho de cada aluno - que é o que importa para sabermos se há ou não uma universidade funcionando - ficou diluída em outros indicadores. Haverá uma fácil maquiagem para se dizer o que se quer de uma universidade estatal ou privada.

A expansão da rede federal de ensino superior do governo está caminhando por meio da criação de quatro universidades, transformação de seis faculdades em universidades e a construção e ampliação de 40 campi.

Eis um erro básico. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o ensino superior pode crescer por meio de colleges (faculdades) isolados, no Brasil a legislação não permite ao Estado a criação de cursos senão em universidades.

O resultado é o pior possível: para se ter às vezes um ou dois cursos numa cidade é necessária a criação de uma estrutura universitária dispendiosa. Essa regra não vale para o empresário, que pode abrir uma faculdade isolada. Como isso não é discutido e não se quer mudar, então, é difícil levar a sério a expansão do ensino superior do governo.

Na área de pós-graduação, o governo instituiu a Escola de Altos Estudos para promover a cooperação acadêmica internacional com a vinda ao Brasil de pesquisadores renomados de outros países.

Ora, já existem centros de estudos e universidades fazendo o que tal escola diz objetivar. A criação de uma Escola de Altos Estudos não seria para premiar alguns amigos com cargos?

Convênios entre universidades no exterior e o Brasil é o que não falta. O que falta é o dinheiro para tal, que deveria sair sem critérios de apadrinhamento e nepotismo dos órgãos de fomento à pesquisa.


Data: 28/07/2006