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O índice de felicidade e o mundo a seu redor - Artigo

Que se deve pensar quando se chega à conclusão de que é preciso ensinar às crianças o que é felicidade e como buscá-la? Não é mais uma possibilidade implícita nos nossos modos de viver? É preciso ir buscar fora do cotidiano?

Washington Novaes - Jornalista especializado em meio ambiente

 

Há duas semanas, ganhou muito destaque na comunicação a notícia de que o Arquipélago de Vanuatu - 83 ilhas no Pacífico, com 209 mil habitantes, na maioria pescadores e agricultores que vivem numa economia pouco além do nível da subsistência - foi considerado pelo Happy Planet Index "o lugar mais feliz do planeta".

Criado pela New Economics Foundation e pela ONG Friends of Earth, o índice quer evidenciar que "não é necessário esgotar os recursos naturais da Terra para se ter uma vida relativamente longa e feliz".

E os habitantes de Vanuatu tiveram a melhor média de três indicadores básicos - esperança de vida ao nascer, bem-estar humano e nível dos danos ambientais causados ao país.

Nesse índice, o Brasil ficou em 65º lugar, atrás da Colômbia, da Argentina, do Chile e do Paraguai - até de Bangladesh. Os Estados Unidos ficaram com o 150º lugar, um dos últimos entre 178 países (Estado, 13/7).

Curiosamente, o noticiário não informou que Vanuatu é um dos países mais ameaçados do planeta - por mudanças climáticas.

Quem freqüenta as reuniões da Convenção do Clima certamente se tem encontrado ali com os representantes de Vanuatu, Tuvalu e outros dos mais de 30 países-ilhas ameaçados de desaparecimento pela elevação do nível dos oceanos em conseqüência da intensificação do efeito estufa.

Eles se cansam de mostrar que sua contribuição para as mudanças climáticas é praticamente zero - mas serão os que mais caro pagarão.

Da mesma forma, o noticiário pouca ênfase deu ao modestíssimo nível de consumo dos habitantes de Vanuatu - que, por isso mesmo, em quase nada contribuem para o segundo grande problema planetário do nosso tempo, a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo, além da capacidade de reposição da biosfera terrestre.

Teria sido oportuno porque ainda recentemente se divulgou o estudo de 1.300 cientistas de 95 países, apoiados pelo Banco Mundial e pelo World Research Institute no projeto Millenium Ecosystem Assessment, mostrando que "60% dos serviços dos ecossistemas terrestres estão sendo degradados ou usados insustentavelmente", de uma forma que acentua os riscos de mudanças climáticas, colapso das reservas pesqueiras e muitos outros dramas.

Entre várias coisas, o estudo sugere eliminar por completo subsídios à agricultura, pagar a proprietários pela conservação e criar impostos proporcionais aos custos ambientais gerados.

Um terceiro relatório, do WorldWatch Institute (Vital Signs), acentua que o uso de recursos e serviços naturais já está 23% acima da capacidade de reposição, neste mundo em que o produto bruto chegou, em 2005, a US$ 59,6 trilhões.

Para dotar todos os habitantes do planeta do padrão de consumo dos países industrializados - diz o relatório - a população teria de ser reduzida para 1,8 bilhão de pessoas (está acima de 6,5 bilhões).

São advertências que se multiplicam e fazer pensar no recém-lançado livro O Mito do Progresso (Editora Unesp), do professor Gilberto Dupas, coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e co-editor da revista Política Externa.

Diz ele que "o progresso parece ter perdido o rumo", o que estaria evidenciado pela exclusão social, pela concentração da renda e pela degradação ambiental que esse progresso produz, juntamente com os riscos da microbiologia, da engenharia genética, da robótica, da nanotecnologia.

E tudo ameaçando a própria governabilidade no nosso mundo, onde a venda de armamentos já supera a casa de US$ 1,1 trilhão.

Há todo um capítulo do livro dedicado ao "meio ambiente e ao futuro da humanidade", no qual afirma que "são inúmeras as evidências das relações entre padrão tecnológico, lógicas da produção humana e danos ao meio ambiente".

Chega a incursionar até por um terreno pouco freqüentado, em que lembra que "o planeta foi-se tornando um imenso emissor de ondas eletromagnéticas, produto das múltiplas emissões de rádio, televisão, telefone celular e radar, cujas conseqüências sobre o meio ambiente e a saúde humana estão por ser determinadas".

No início de tudo, diz o autor, está a "naturalização da idéia de progresso" como algo em que é preciso "aceitar riscos", onde "não se pode voltar atrás", por maiores que sejam as ameaças.

Faz lembrar a famosa escritora norte-americana Hazel Henderson, para quem "economia é política disfarçada". "Urge uma nova ética da responsabilidade", diz o professor Dupas, depois de examinar a evolução do conceito de progresso e a "economia política como ciência do progresso".

Talvez uma evidência de quanto procedem essas preocupações esteja em outra notícia (Estado, 11/7), a de que 2 mil alunos de escolas públicas britânicas, na faixa dos 11 anos, começarão a ter "aulas de felicidade" (técnicas de respiração, jogos em grupo, entre outras), numa tentativa de enfrentar comportamentos anti-sociais e depressão (esta já atinge 10% das crianças inglesas nessa faixa de idade).

Que se deve pensar quando se chega à conclusão de que é preciso ensinar às crianças o que é felicidade e como buscá-la? Não é mais uma possibilidade implícita nos nossos modos de viver? É preciso ir buscar fora do cotidiano?

Ou a questão já estará muito mais agravada, a ponto de levar o famoso físico Stephen Hawking (autor de Uma Breve História do Tempo) a dizer, há poucos dias, que a humanidade precisará migrar para outros planetas (e para isso precisaria começar imediatamente a buscar esses lugares)?

Qualquer que seja a visão que se tenha, não é possível escapar da questão fundamental: já não se trata de "proteger o meio ambiente"; trata-se de limites à ação humana, já evidenciados e que, se não forem respeitados, porão tudo em risco, como tem advertido o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Se as nossas lógicas se contrapõem a essas evidências, terão de ser modificadas.


Data: 28/07/2006