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Não basta perder o sono com o clima - Artigo de Washington Novaes

A recente reunião do G-8, com a participação de China, Índia, Brasil, México e África do Sul, trouxe mais algumas evidências nessa direção

Washington Novaes - Jornalista



Por mais que os acontecimentos e a ciência recomendem prudência nas políticas em todo o mundo, diante das evidências das mudanças climáticas em toda parte, que impõem transformações drásticas nas matrizes energéticas - de modo a reduzir a emissão de gases poluentes da atmosfera -, as lógicas políticas e financeiras continuam a traçar, para manter o predomínio do petróleo e do carvão mineral como principais fontes de energia, uma rota de fuga em direção a tecnologias temerárias e formatos insustentáveis, como a energia nuclear (que é mais cara, vulnerável por vários ângulos e incapaz de resolver o problema do lixo radiativo).

A recente reunião do G-8, com a participação de China, Índia, Brasil, México e África do Sul, trouxe mais algumas evidências nessa direção.

Alemanha e Itália até foram contra mencionar nos documentos a alternativa nuclear, mas foram vencidas pela união entre EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha, Japão e Canadá.

Muitos cientistas continuam a advertir quanto aos riscos da tecnologia de seqüestrar e sepultar dióxido de carbono no solo ou no fundo do mar (para não ter de reduzir as emissões), mas EUA, Japão, Austrália, Grã-Bretanha e China, entre outros, continuam a investir nessa possibilidade.

A Grã-Bretanha, que já tem 20% de energia nuclear em sua matriz, vai construir novas usinas - embora o WWF afirme em relatório que o país tem condições de reduzir suas emissões de gases em 40% até 2010.

A Rússia, que já usa perto de 17% de energia nuclear, começa a construir até uma usina flutuante. Os EUA, que têm 103 usinas nucleares em atividade, implantarão de 12 a 15 mais até 2015.

Mesmo o Brasil quer construir mais sete, incluindo Angra 3. No mundo todo, 441 reatores comerciais em 31 países já respondem por 17% da energia total. E há mais 32 em implantação, principalmente na China e na Índia.

Nem o 20º aniversário da explosão do reator nuclear de Chernobyl, com suas terríveis conseqências, nem as advertências agora renovadas do então chefe do governo soviético, Mikhail Gorbachev, foram capazes de mudar os rumos.

Está mais que provado que a energia nuclear é mais cara que outras formas de energia menos perigosas. Na Rússia, por exemplo, custa US$ 0,06 por kWh, três vezes mais que a energia do gás.

No Brasil, o especialista Joaquim Francisco Carvalho lembra que o custo médio de expansão em hidrelétricas é de R$ 80 por MWh, ante R$ 144 em Angra 3 (cuja implantação exigiria R$ 30 bilhões).

Nos EUA, a Academia Nacional de Ciências mostrou que serão necessários 55 mil caminhões ou 9.600 comboios ferroviários para transportar até Yucca Mountain (onde se tenta implantar um depósito) o lixo radiativo já acumulado nas usinas.

Mas não há respostas para os riscos de acidentes nas usinas ou no transporte, muito menos para ataques terroristas. E o próprio depósito está embargado pela justiça norte-americana, por falta de segurança durante milhares de anos em que os materiais estarão ativos.

No Brasil, mesmo o lixo de Angra 1 e 2, sem destinação, continua se acumulando nas usinas. E um relatório da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados diz que temos "mais de mil fontes radiativas no País fora de controle" - e que pode acontecer um novo acidente como o do césio em Goiânia (1987).

As tecnologias de seqüestro e sepultamento de carbono continuam a sofrer graves restrições de cientistas. Em recente edição da publicação Geology, pesquisadores norte-americanos dizem que o sepultamento pode transformar água salobra do subsolo em ácido e que este dissolve minerais, inclusive carbonatos que deveriam preencher poros das rochas e evitar vazamentos do CO2 ali depositado.

Por outro ângulo, começam a aparecer estudos que mostram a possibilidade de mudanças climáticas afetarem a freqência de terremotos, erupções vulcânicas e fortes deslizamentos no fundo dos oceanos - por causa da maior pressão da água sobre a crosta terrestre, em razão do aquecimento.

Estudos da Ohio State University acentuam a possibilidade de redução da disponibilidade de água, com o derretimento de geleiras nos Andes e no Himalaia, principalmente.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente adverte que a América Latina será uma das áreas mais atingidas por mudanças climáticas, exatamente em sua disponibilidade de água - que será afetada também por uma provável redução de 20% nas chuvas.

O Instituto Nacional de Meteorologia admite que as temperaturas médias no Centro-Oeste brasileiro poderão subir até 3 graus nos próximos 30 anos. Em Goiânia, em 60 anos, a média das máximas se elevou 2,6 graus; a média das mínimas, 4,1 graus.

Na reunião do G-8 ampliado para G-13, o presidente francês, Jacques Chirac - que já fora muito dramático em 2002 na Cúpula Mundial do Desenvolvimento, em Johanesburgo -, chegou a propor a criação da Organização Mundial do Meio Ambiente, tal a gravidades dos problemas que vê à frente.

Essa proposta já foi muito discutida em 2002 na África do Sul, mas o debate se encerrou quando uma delegada brasileira perguntou: "E de que adiantaria criar essa organização? O único caminho para mudar seria tomar o poder na Organização Mundial de Comércio”.

Enquanto não se encontra o rumo, a previsão é de que o consumo mundial de energia cresça 71% até 2030, e que nesse ano o petróleo continuará a responder por 33% do total (38% hoje); o carvão mineral, por 27% (24% hoje); o gás, por 26% (24% agora).

E as energias renováveis passarão apenas dos atuais 8% para 9%. Com isso as emissões de gases passarão das atuais 25 bilhões de toneladas para 43,7 bilhões, mais 75%, e metade do crescimento do consumo de energia ocorrerá nos EUA, na China e na Índia.

Perder o sono, apenas, não resolve. Nem sacudir os ombros e ir à praia em Paris.


Data: 04/08/2006