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"Sob nossos pés, a energia que o mundo precisa"

Professor do MIT explica que o calor gerado nas profundezas da Terra supera largamente o consumo atual do planeta

Um engenheiro químico do Massachusetts Institute of Technology (MIT) explica por que as novas tecnologias finalmente poderão tornar possível a "mineração de calor" em quase qualquer parte da terra.

A resposta para as necessidades energéticas do mundo pode estar sob os nossos pés, de acordo com Jefferson Tester, professor de engenharia química do Laboratório de Energia e Meio Ambiente do MIT.

De acordo com o professor, o calor gerado nas profundezas da terra pelo enfraquecimento natural dos isótopos tem potencial para fornecer uma enorme quantidade de calor - milhares de vezes mais do que consumimos hoje por ano.

Até agora conseguimos recolher apenas uma minúscula fração dos recursos de energia geotérmica, aproveitando lugares onde a geologia local fornece água e vapor quente próximo da superfície, como a Islândia ou a Califórnia.

Mas novas tecnologias de estimulação de campos de petróleo, desenvolvidas para a extração da commodity de fontes como xisto betuminoso, tornaram possível a obtenção da energia geotérmica em grau muito maior se possibilitarmos que os engenheiros criem reservatórios geotérmicos artificiais em subterrâneos a muitos quilômetros abaixo da terra.

Tester qualifica como "geotérmica universal" essa energia, porque os reservatórios podem ser colocados em qualquer lugar do mundo onde sejam necessários, como por exemplo, perto de cidades ávidas por energia.

"Technology Review" conversou com Jefferson Tester sobre o potencial oferecido pela energia geotérmica universal e o que é preciso para que ela se torne realidade.

A entrevista

Qual a quantidade de energia geotérmica que pode ser produzida?

No mundo todo, seria da ordem de 100 milhões de Exojoules ou Quads (um quad equivale a um quatrilhão de BTUs). Esta seria a parte utilizável. Hoje, em todo o mundo, usamos pouco mais de 400 Exojoules por ano. Portanto é só fazer os cálculos, para ver que temos aí uma enorme fonte de energia. O quanto de energia utilizável podemos extrair dessa fonte? Imagine que seja extraída apenas uma fração de um por cento. Ainda assim é grande. Um décimo de um por cento equivale a 100.000 Quads. Estudos de avaliação têm mostrado que esse valor é milhares de vezes maior do que a quantidade de energia que consumimos anualmente no país. O problema é tirar a energia da terra de forma econômica e eficiente e fazer isso de uma forma ambientalmente sustentável.

Hoje já usamos alguma energia geotérmica, não?

Em alguns casos, a natureza tem fornecido meios para extração da energia térmica armazenada. Temos muitos exemplos. Os campos de gêiseres na Califórnia são os maiores campos geotérmicos do mundo - produzindo energia há mais de 40 anos e um vapor de excelente qualidade, que pode imediatamente ser convertido em energia elétrica. E esta é uma das raridades da natureza em termos do que nós temos no mundo. Usando o vernáculo dos minerais poderíamos qualificá-los como minas de ouro do mais alto quilate.

Mas as pessoas vêm falando de uma maior utilização da energia geotérmica há anos. O que mudou agora?

Como muitas tecnologias na área energética, nos anos 70 e 80 ela também contou com uma grande estrutura de apoio, mas as prioridades mudaram e não investimos o necessário naquela época para que isso se materializasse. Muitas tecnologias dessa área, seja no caso das energias renováveis, da nuclear ou do carvão, ou qualquer outra, devem ser reavaliadas continuamente e colocadas em contexto com o estado atual da tecnologia. Nesse caso, o interesse em tentar procurar e extrair hidrocarbonetos levou ao desenvolvimento de outras tecnologias na área de engenharia subterrânea que fazem com que valha a pena reexaminar a questão da energia geotérmica.

Como o sr. planeja obter o calor armazenado de outras áreas?

O que estamos tentando fazer é imitar o que a natureza ofereceu nesses sistemas de alta qualidade. Quando vamos mais ao fundo das rochas, verificamos que elas são cristalinas. São muito impermeáveis. Não são transformadoras de calor como realmente precisamos. Deveriam ser porosas e permeáveis. Na verdade, as rochas possuem muitas pequenas fraturas e, assim, o que está se tentando fazer é localizar essas zonas frágeis e reabri-las. Precisamos criar um bom sistema de conexão entre um conjunto de poços de injeção e um conjunto de poços de produção e trazer o fluído, nesse caso água, para a superfície da rocha, de forma a extrair a energia térmica e conduzi-la para um outro reservatório.

Qual a tecnologia necessária para abrir uma rocha e retirar o calor?

Toda essa tecnologia envolvida para perfurar e finalizar um sistema de produção de gás e petróleo, como a estimulação dos poços, o fraturamento hidráulico, a finalização de poços profundos e das múltiplas laterais horizontais, pode, em princípio, ser ampliada para a mineração de calor em zonas mais profundas. Os métodos hidráulicos têm sido os únicos que prometem mais, quando se entra no sistema e se pressiona a rocha - apenas pressão de água. Se se vai além da pressão de confinamento, as pequenas fraturas da rocha são reabertas. No caso, usamos apenas a pressão de algumas milhares de libras por polegada quadrada.

O que é necessário para fazer esses reservatórios artificiais para a energia geotérmica?

Como qualquer tecnologia nova, os problemas são técnicos. Acho que a evolução da tecnologia, com mais de 30 anos de testes de campo, tem sido bastante positiva. O conceito básico foi provado. Sabemos como criar grandes reservatórios. Precisamos conectá-los melhor, para estimulá-los melhor do que fizemos no passado, utilizando alguns métodos hidráulicos e de diagnósticos que hoje estão disponíveis. Assim, é o aprimoramento desse sistema, criando uma mina de calor suficientemente grande e produtiva para sustentar o investimento econômico.

O sr. está trabalhando em uma nova tecnologia de perfuração. Como ela se insere neste contexto?
Ela faz parte de uma idéia antiga sobre a possibilidade de uma mineração de calor universal. Estamos também analisando métodos revolucionários para penetração na rocha e finalização dos poços. Grande parte dessa perfuração hoje é realizada pela compressão e trituração. E está dando certo. É uma tremenda evolução em relação ao século passado e podemos fazer isso, rotineiramente, descendo até 10 quilômetros. Mas custa muito caro. Assim procuramos um meio para mudar a tecnologia e alterar essa relação de custo frente à profundidade do terreno, que poderá permitir que sejam feitas perfurações cada vez mais profundas a um custo menor. Isso poderá facilitar tremendamente a acessibilidade.

Quais são as vantagens comparadas com outras fontes renováveis de energia?

A energia geotérmica tem algumas diferenças particulares. Uma delas é o fato de ser bastante evolutiva em carga de base. Nossas usinas à base de carvão produzem eletricidade 24 horas por dia, 365 dias por ano. As usinas nucleares também. A energia geotérmica pode chegar aí sem necessidade de armazenamento auxiliar ou um sistema de apoio. A energia solar exige armazenagem se você deseja utilizá-la quando não há sol. E a energia eólia não dá essa possibilidade sem algum apoio 100% confiável, porque o fator de disponibilidade de um sistema eólio é de cerca de 30% , enquanto que, no caso de um sistema geotérmico, é de 90% ou mais.

Qual é a preocupação ambiental com "mineração de calor"?

Certamente em qualquer sistema que implique descer no subterrâneo, é preciso pensar se não estamos perturbando as condições naturais da terra e provocando algum dano. Sabemos muito bem quais são os efeitos da extração. Em alguns sistemas naturais é preciso lidar com as emissões - controlar o ácido sulfídrico e outros gases. Os regulamentos ambientais insistem numa total reinjeção dos fluidos. Não se trata de uma coisa simples.

Com que rapidez o sr. acredita que esses sistemas geotérmicos artificiais podem ser desenvolvidos?

Se houver fundos suficientes e campos bem caracterizados, pode-se penetrar em áreas que já existem e construir uma planta e, em poucos anos, torná-la operacional. Mas para se chegar a uma mineração de calor universal isso envolverá um investimento que, acho, não virá tão rápido. Precisaremos de 10 ou 15 anos até chegarmos a um ponto em que teremos certeza de que a operação pode ser realizada em qualquer lugar. Uma vez instalado, porém, o sistema pode ser expandido. Esta é, pelo menos, a grande esperança.


Data: 07/08/2006