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Uma reserva extrativista demais para ser reserva - Artigo de Marcos Sá Correa

Ela foi colhida em imagens de satélite pelo Imazon

Marcos Sá Correa - Jornalista e editor do site O Eco.


Saiu a primeira safra de resultados da Reserva Extrativista Verde Para Sempre, criada no Pará em novembro de 2004 para evitar o saque das madeireiras clandestinas, como disse na ocasião Joaquim Belo, presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros.

Ela foi colhida em imagens de satélite pelo Imazon. Ou seja: o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, que está lá para escorar em pesquisas científicas o uso sensato de seus recursos naturais. Logo, não é coisa de ecochato para paranóico.

Mas informa que, nesse ano e meio de existência, a Verde Para Sempre tirou de suas terras muita árvore. Ela produziu 31,4 km2 de desmatamento em 2005.

Tem tudo para superar essa marca em 2006 porque fechou o primeiro semestre com 18,3 km2 de clareiras e é no segundo, o da estiagem, que a motosserra costuma roncar mais alto na floresta amazônica.

Feitas as contas, a reserva até agora jogou pelo empate. Somando o que se cortou lá dentro com o que caiu a seu redor, nos 10 quilômetros da faixa de amortecimento que ela também deveria proteger, a derrubada na Verde Para Sempre sobra para 118,4 km2.

São pouco mais do que os 114,9 km2 que em 2004 pareciam aceitáveis, quando serviram para acelerar a campanha que tentava criá-la havia quase 20 anos. Este ano, até agora, a soma dá 71,77 km2.

Se isso é um sinal do que ela tem pela frente nos próximos meses, o número pode chegar a dezembro como um novo recorde. Senão, continuará tudo mais ou menos como antes nesse filé madeireiro da Terra do Meio paraense.

Sem fiscalização nem manejo

Em outras palavras, as de Paulo Amaral, um pesquisador do Imazon que seguiu essas "pegadas antrópicas" na selva, por enquanto "nada mudou" na reserva.

Diminuíram, de um lado, os focos de incêndio, de 168 em 2004, em plena corrida para arrancar a floresta dali o mais depressa possível, enquanto o governo ruminava seus projetos de regularização fundiária.

Mas recrudesceu, do outro lado, a abertura de estradas clandestinas, que no ano passado rasgaram mais 160,8 km da região. Contra 76,8 km em 2004, distância que 2006 praticamente alcançou em apenas seis meses, com 71,4 km abertos de janeiro para cá.

Essas estradas informais, que o Imazon mapeia e o governo ignora, ambos sistematicamente, traçam as rotas da pirataria ambiental na Amazônia. Aonde elas chegam, o estrago geralmente veio para ficar. E onde o estrago está, mais cedo ou mais tarde o conflito se reinstala.

A menos, é claro, que haja fiscais para controlar o tudo que transita por esses caminhos construídos no peito, longe dos olhos de qualquer esfera de governo.

Mas a Verde Para Sempre, com quase um milhão e trezentos mil hectares aos cuidados de uma população vagamente orçada em 2.500 famílias, tem um único funcionário do Ibama para responder por sua fiscalização. A do Cajari, no Amapá, também.

As reservas extrativistas são o modelo de conservação predileto da ministra Marina Silva. Multiplicaram-se nos últimos quatro anos mais depressa do que a capacidade do Ministério do Meio Ambiente para implementá-las.

Aparentemente, os ambientalistas de Brasília acreditam "que a preparação de pomposos planos para as unidades de conservação é suficiente para manejá-las", escreveu recentemente a ex-presidente do Ibama Maria Tereza Pádua, do alto de oito milhões de hectares conservados por seu currículo.

Não admira que, vista de perto, mesmo quando esse perto é o sensor de um satélite na órbita terrestre, uma reserva extrativista se revele extrativista demais para ser reserva.


Data: 10/08/2006