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Opinião - A precarização do trabalho docente e a silenciosa mercantilização do ensino público superior

Não restam dúvidas de que o principal patrimônio das Universidades públicas brasileiras é a capacidade docente (intelectual, técnica ou profissional) para desenvolver projetos e pesquisas que, a partir do aval e apoio das agências de fomento, comunidade externa ou meio acadêmico, conseguem e mantêm um diferencial em relação às demais instituições de ensino do país

Sérgio Luiz Gadini - Professor de Jornalismo e do Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas, presidente do Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual de Ponta Grossa

 



Isso é inegável! Mas raramente se diz que tais ações demandam mais trabalho e, em última instância, a sobrecarga reforça o fenômeno que se tornou habitual na Universidade brasileira: a precarização do trabalho docente, seja em instituição pública ou privada, embora por diferentes motivos.

Assim, sem estrutura e apoio, sem políticas de pesquisa e pós-graduação, muitas Universidades deixam seus profissionais num dilema sem saída: ou se acomodam ao silêncio de uma mediocridade que se limita à ocupação de cargos burocráticos e deixam de produzir, ou optam por pesquisar, elaboram projetos e, pois, assumem uma sobrecarga nada vantajosa da perspectiva individual e humana.

Nos dois casos mais freqüentes, quem perde é a própria instituição! No primeiro caso, porque aceitar que um professor - que, muitas vezes se qualificou com recursos públicos -, se limite ao exercício e controle burocrático é acenar para o aprofundamento da 'crise' de uma Universidade capaz de integrar ensino/pesquisa/extensão.

E, no segundo caso, porque na ausência de incentivos ou políticas de pesquisa e pós-graduação, os professores não se sentem motivados e tampouco desafiados a pesquisar.

Na Universidade Estadual de Ponta Grosa (UEPG/PR), por exemplo, o cenário, embora sem nenhuma exclusividade, é ilustrativo deste problema! Qualquer análise da situação do quadro docente indica e confirma tal emblemática tendência, com todos os seus riscos e limitações.

Sem estrutura de apoio, e carente de uma política de pesquisa e pós-graduação, a UEPG investe na qualificação docente, mas carece de mecanismos de incentivo, reconhecimento e motivação para que seus profissionais fortaleçam a instituição e, na medida em que os projetos e ações de pesquisa/extensão são desenvolvidos, também criem condições para melhorar a qualidade do ensino.

O que fazer para, se não resolver, ao menos minimizar o impacto de uma situação que em nada fortalece ou prestigia uma Universidade pública?

Em primeiro lugar, é urgente formular uma política com diretrizes que motivem e desafiem os professores a pesquisar, bem como incentivam os docentes a trabalhar nos programas de pós-graduação (strictu sensu, mestrados) mantidos pela Universidade.

O que acontece hoje com os programas de mestrado da UEPG? Sem qualquer incentivo e motivação, os professores preferem ficar ministrando aulas apenas nos cursos de graduação, até porque não se pode obrigar ninguém a trabalhar mais só para integrar o quadro docente de um mestrado.

Assim, a UEPG deixa de contar com inúmeros professores que poderiam qualificar e melhorar o conceito (que hoje é o mínimo exigido!) dos programas de pós-graduação junto à Capes.

Paralelamente, se os professores tivessem um salário digno (um professor doutor recebe hoje cerca de 20% a menos nas Estaduais do PR do que recebe um doutor para a mesma carga horária numa Federal!) a ocupação de cargo na burocracia administrativa poderia ser minimizada.

Além disso, se a instituição tiver uma política de pesquisa e incentivo, a própria opção pela atividade burocrática tende a reduzir. Mas, infelizmente, até o momento, não é o que se vê na UEPG!

Essa é uma das características que marcam o fenômeno da precarização do trabalho docente na Universidade pública brasileira. E, pois, é urgente discutir o problema!

Mas, existe um fator, talvez um tanto perverso ou, ao menos, politicamente questionável, que marca a precarização do trabalho docente nas Universidades públicas brasileiras.

Trata-se da tentativa de suprir ou amenizar a queda da qualidade de vida (retirada de direitos sociais imposta pelo atual e anteriores governos, privatização da previdência, arrocho salarial pela não reposição integral das perdas inflacionárias, etc) docente nas Universidades públicas pela oferta de cursos e atividades com cobrança de taxas que, parcialmente, são repassadas aos professores.

Mas, "se trabalha mais deve receber mais", dirão alguns incautos. O problema é outro, e ainda maior, pois se a Universidade é pública nada justifica que alguns colegas resolvam criar cursos - onde os freqüentadores são selecionados não pelo princípio do acesso público universal, mas fundamentalmente pela condição de "poder pagar" - para aliviar o impacto do arrocho salarial e, desta forma, reforcem os modelos de privatização de um bem que foi e continua sendo custeado pelo dinheiro do contribuinte.

Assim, diante da promessa de uma 'compensação', uma 'graninha extra' ou 'remuneração complementar' para tentar sair do vermelho, muitos professores aderem aos chamados cursos de finais de semana ou feriados que, usando a estrutura da mesma Universidade pública, cobram mais taxas dos usuários, dispensando assim a realização de concursos de ingresso (como é, por exemplo, o vestibular e a seleção aos programas de mestrado).

É claro que não se trata de contrariar toda e qualquer atividade complementar na Universidade, mas pensar em critérios capazes de conter a crescente onda de instituições públicas.

Obviamente, ao assumir mais tarefas para aliviar suas contas, estes mesmos colegas ficam com tempo limitado para fazer pesquisa, desenvolver atividades de extensão, orientar iniciação científica ou mesmo trabalhar na pós-graduação (cursos de mestrado, que não têm dupla taxação!).

Mas que impacto isso tem para a Universidade, se não envolve todos os professores e ao menos cria uma opção a mais, embora ao custo de novas taxas para seus freqüentadores?

Além de privatizar a Universidade pública por dentro - com o aval e aceitação dos próprios docentes que, em outros tempos, exigiam mais respeito através da luta por melhores salários e condições de trabalho - tais iniciativas não democratizam a educação, apenas acentuam a mercantilização do ensino e a simultânea precarização do trabalho docente.

E aí, infelizmente, parece ter ressonância a crítica pública de que, em certas ocasiões, alguns professores parecem usar o dinheiro público para se qualificar (fazer mestrado ou doutorado, por exemplo) e, depois, ao invés de buscar formas de legitimar e defender um bem público, acabam entrando na complicada onda de criação de mecanismos para complementação individual de renda, ao invés de exigir que os governos - seja estadual ou federal - tenham mais respeito com a Universidade.

Recentemente, pressionada pelo Ministério Público e pela incontável oferta de cursos pagos que usavam a chancela da instituição, a Universidade Federal de Santa Catarina (através de seus conselhos superiores) decidiu cancelar todas as especializações pagas ofertadas por inúmeros departamentos de ensino.

Talvez, chegou o momento da UEPG discutir seria e abertamente o assunto, pois todas as análises indicam que esse é um caminho arriscado demais para uma Universidade pública.


Data: 11/08/2006