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Procuram-se alunos? - Texto de José Roberto de França Arruda

Queremos intercâmbios onde haja reciprocidade e reconhecimento de nossa qualidade de ensino e pesquisa

José Roberto de França Arruda - Professor de Depto. de Mecânica Computacional, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp


"A reportagem "Procuram-se alunos" publicada no número de agosto de 2006 da revista Pesquisa Fapesp assinado por Fabrício Marques é, no mínimo, polêmica. Sempre fui um entusiasta do intercâmbio internacional, mesmo em nível de graduação.

De fato, a crescente internacionalização dos processos produtivos vem fazendo com que a formação dos profissionais em geral e dos engenheiros em particular necessite de um esforço de formação multicultural que só uma experiência de vida no exterior por um período de pelo menos seis meses e de preferência um ano ou mais pode proporcionar.

Entretanto, há uma enorme diferença entre o intercâmbio, que pressupõe uma reciprocidade nas relações e a internacionalização de instituições de ensino, que pressupõe uma visão mercantil do ensino como negócio.

Assim, nos convênios de intercâmbio de alunos de graduação em engenharia, que a Unicamp iniciou, ao meu conhecimento de forma pioneira no Brasil, com o Insa de Lyon em 1986, a simetria nas relações, com a ida de estudantes brasileiros ao Insa e a vinda de estudantes franceses à Unicamp, sempre foi uma componente essencial.

Infelizmente, ignorando a experiência exitosa da Unicamp e de outras universidades brasileiras em matéria de intercâmbio internacional de alunos de graduação, alguns anos depois a Capes, na gestão do ministro Paulo Renato Souza, iniciou um programa de envio de alunos brasileiros para estágio em escolas de engenharia francesas com fluxo num só sentido.

Felizmente, o rumo foi corrigido há 4 anos com o advento do programa Brafitec, que recolocou a reciprocidade nas relações de intercâmbio de estudantes.

No projeto Brafitec que coordeno, por exemplo, recebemos mais alunos franceses do que enviamos alunos da Unicamp. Estes programas levaram ao programa de dupla diplomação, onde, também, a simetria nos direitos e deveres dos parceiros brasileiros e franceses é respeitada.

Os franceses aceitam a formação que damos aqui nas melhores escolas de engenharia como equivalente em qualidade à formação dada por eles.

A reportagem da Pesquisa Fapesp mostra o esforço das Universidades de Harvard e Yale para recrutarem jovens brasileiros, estimando que o número de brasileiros que cursam a graduação naquelas universidades ainda é pequeno e que nosso país está "sub-representado," comparando com a China, que teria cinco mais alunos.

A reportagem diz que em Harvard um curso de graduação não sai por menos de 45 mil dólares americanos, fora as despesas de viagem e moradia nos EUA, enquanto Yale cobra em média 40 mil dólares.

O que me pareceu ainda mais entranho é que o esforço de Harvard para atrair alunos brasileiros é financiado com uma doação de expressivos recursos pelo empresário Jorge Paulo Lenmann, da Ambev, maior fabricante de cervejas do Brasil.

A reportagem diz, ainda, que nosso ex-mnistro Paulo Renato considera que "o interesse destas universidades é bastante positivo" pois "é ínfimo o número de brasileiros que fazem graduação no exterior".

Parece que nosso ex-ministro trabalha para que voltemos a ser uma "república de bananas" onde os filhos das elites vão cursar a graduação em universidades de prestígio dos EUA e Inglaterra. Ele parece se esquecer de que o Brasil já foi assim e que o resultado não foi, historicamente, dos melhores.

Com muito esforço, construímos universidades que adquirem prestígio crescente no cenário internacional, como a USP, a Unicamp, a UFRJ e a UFRGS, entre outras.

Construímos uma pós-graduação que, ainda que heterogênea, não fica em nada a dever, em muitas áreas, às melhores universidades do mundo.

Queremos, sim, aumentar o intercâmbio com universidades em todo o mundo, mas não queremos simplesmente exportar alunos e fortalecer universidades estrangeiras que querem se internacionalizar.

Queremos intercâmbios onde haja reciprocidade e reconhecimento de nossa qualidade de ensino e pesquisa.

Queremos que nossos empresários façam doações às nossas universidades, não a Harvard, como fez o Sr. Lenmann. Queremos que nossos melhores talentos se formem aqui e que participem de intercâmbios que lhes abram a mente e o espírito para o multi-culturalismo, além de conviverem com alunos de todas as partes do mundo nos nossos campi universitários."


Data: 21/08/2006