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Cotas não garantem inclusão de negros em Campos, no RJ

Primeiro diagnóstico sobre eficácia das cotas mostra que maior parte dos universitários negros da cidade estuda em instituições privadas

Apesar da vigência da política de cotas para negros nas Universidades estaduais, a maior parte daqueles que buscam o acesso ao ensino superior em Campos (RJ) acaba indo estudar nas Universidades privadas, e não na Uenf.

Foi o que constatou a mestranda Shirlena Campos de Souza Amaral, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Uenf. Sob a orientação da professora Adelia Miglievich, do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico (LEEA/CCH), ela está concluindo o primeiro diagnóstico sobre a eficácia do sistema de cotas para negros a partir do caso Uenf.

Para Adélia, os resultados da pesquisa serão importantes para a rediscussão do sistema de cotas nas Universidades do Estado do Rio, programada para 2008, além de subsidiar o debate nacional em efervescência.

- Em relação às cotas, as pessoas tendem a repetir o discurso dos que são contra ou a favor, negligenciando estudos. As políticas sociais exigem pesquisas aprofundadas e rigorosas - afirma.

A pesquisa nasceu de uma constatação: de 2004 para 2005, foi nítido o decréscimo de estudantes negros ingressos na Uenf pelo sistema de cotas. Em 2004, ingressaram 60 estudantes, e em 2005, 19. Em relação à oferta total de vagas, o ingresso de negros autodeclarados caiu de 12,5% para 4,05%. Em 2006, o número diminuiu ainda mais, passando para 15 alunos (3,80% do total de vagas).

Para Shirlena, são valores muito pequenos, se comparados à inclusão social pretendida pela reserva de vagas para negros, que é de 20%.

De outubro de 2005 a janeiro de 2006, Shirlena entrevistou, por meio de questionários, 293 alunos da Uenf e outros 818 de instituições de ensino superior (IES) privadas de Campos.

As IES privadas oferecem cursos iguais aos da Uenf e nos mesmos turnos - Universidade Cândido Mendes-Ucam (Engenharia de Produção), Universidade Salgado de Oliveira-Universo (Ciências Biológicas, Biologia e Matemática) e Centro Universitário Fluminense (Uniflu) / Faculdade de Filosofia de Campos (Matemática).

Em seu primeiro momento, a pesquisa constatou que a maior parte dos estudantes negros que hoje estuda nestas instituições particulares também tentou o vestibular da Uenf, mas não conseguiu passar.

Em 2005, por exemplo, todos os estudantes negros que ingressaram nos cursos de Matemática da Faculdade de Filosofia e da Universo também tentaram o vestibular da Uenf, sem êxito. Para as pesquisadoras, uma análise mais aprofundada dos questionários demonstra a demanda insatisfeita do alunado das IES privadas por vagas na Universidade pública.

- Os resultados chamam a atenção para algo que não é bem compreendido em relação ao sistema de cotas. Ao contrário do que as pessoas pensam, as cotas não eliminam o "mérito". A reserva de vagas só é inserida na segunda etapa do vestibular, que é o Exame Discursivo. Para chegar a ele, todos os candidatos - negros e não-negros - competem de igual para igual - observa Adelia.

A pesquisa revela que o sistema de cotas para negros na Uenf não estaria efetivamente cumprindo sua pretendida função de inclusão social, uma vez que as vagas a estes reservadas não têm sido preenchidas. No caso de Campos, o negro tem tido na prática mais acesso ao ensino superior pelas instituições particulares, o que revelaria prováveis estratégias inclusivas no setor privado.

- Estamos vendo que ser contra ou a favor da política de cotas é uma "falsa questão". Enquanto o debate se centra nas cotas das Universidades públicas, há políticas de inclusão nas instituições privadas que não estão sendo problematizadas, como o Pró-Uni e bolsas dos governos municipal e estadual. Resta saber qual inclusão social é realizada nestas instituições e como a Universidade pública reagirá a uma demanda real ainda não atendida. O debate das cotas exigirá o enfrentamento da crise da Universidade pública, não sua protelação - argumenta Adelia.

Maioria vem de outros municípios

A pesquisa traz ainda um perfil dos negros cotistas da Uenf. Segundo Shirlena, a maioria deles não trabalha fora da Uenf, não tem dependentes e é proveniente de outros municípios. Grande parte concluiu o ensino médio em escola pública, embora tenha sido registrado o crescimento do número de alunos oriundos do ensino médio particular para os cursos de Ciências Biológicas e Biologia entre 2004 e 2005.

Com relação à renda, o fato marcante foi que, entre 2004 e 2005, houve um expressivo aumento de alunos negros da Uenf com renda familiar superior a cinco salários mínimos nos cursos de Biologia e Engenharia de Produção.

A pesquisa, que embasa a tese de mestrado de Shirlena, foi premiada durante a 6ª Mostra de Pós-Graduação da Uenf na categoria melhor apresentação oral do Centro de Ciências do Homem (CCH).

A defesa da tese - que traz ainda um estudo sobre a eqüidade na teoria política, a problemática racial no pensamento social brasileiro e a reconstrução das polêmicas entre movimento social negro, classe política e comunidade científica - deverá ocorrer em outubro.

Shirlena destaca a colaboração dos professores Almy Júnior de Carvalho, pró-reitor de Graduação da Uenf, e Alexandre Pio Viana, Coordenador de Extensão do Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) da Uenf. E espera estar contribuindo para o debate:

- Estamos propondo o desdobramento dessa pesquisa em futuros projetos e parcerias que coloquem a Uenf como interlocutora necessária num diagnóstico nacional sobre o tema das ações afirmativas e da Universidade pública - conclui Adélia.


Data: 22/08/2006