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Plutão-Caronte, o planeta duplo - Artigo de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão

"Plutão é realmente um objeto polêmico, tanto pela sua descoberta como seus novos aspectos recentemente revelados"

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão - Pesquisador do Observatório Nacional.

 

Em 1980, escrevi para a revista Ciel et Terre um artigo defendendo a idéia de que o satélite Caronte do planeta Plutão deveriam constituir um planeta-duplo.

Agora, o Comitê de definição do que é um planeta da União Astronômica Internacional (UAI) na Resolução nº 5 da XXVI Assembléia Geral da UAI atualmente reunida em Praga propôs que esse sistema planetário fosse denominado de planeta-duplo.

A descoberta de um satélite ao redor do planeta Plutão, em 1978, pelos astrônomos norte-americanos J. W. Christy e R. S. Harrington, motivou um grande interesse pelo estudo desse planeta.

De fato, a existência desse satélite, à distância de 19 mil quilômetros do planeta, ao redor do qual gira em 6,39 dias, permitiu avaliar com grande precisão, pela primeira vez, a massa de Plutão em cerca de 0,002 vezes a massa da Terra, ou seja 1/4 da massa da Lua.

Tal massa colocou em evidência algo que alguns autores suspeitavam há algum tempo: Plutão não é o planeta X de Lowell nem nenhum dos outros objetos que deveriam existir para explicar as irregularidades nos movimentos dos planetas Urano e Netuno.

Convém lembrar que foi a partir dessas irregularidades que diversos astrônomos, dentre eles os franceses Le Verrier, Flammarion, Gaillot e mais tarde, em 1915, o norte-americano Percival Lowell, anunciaram a existência de um planeta mais afastado do Sol do que Netuno e da massa equivalente a sete vezes à Terra.

A procura do planeta Lowell foi interrompida com o seu falecimento em 1916, tendo sido retomada em 1929, quando um novo telescópio, de 32,5cm de abertura, foi instalado em Flagstaff.

As placas fotográficas obtidas com esse instrumento, estudadas pelo jovem astrônomo amador Clyde Tombaugh, em 18 de fevereiro de 1930, permitiram localizar, em fotografias obtidas em 21 e 29 de janeiro, um objeto que seria, em 13 de março seguinte, anunciado como o novo planeta do sistema solar.

Embora hoje possamos colocar em dúvida a previsão de Lowell, não podemos deixar de homenageá-lo como o descobridor do planeta Plutão, pois, se não fossem seus cálculos e a perseverança de Tombaugh, Plutão ainda teria sido encontrado.

Como se vê, Plutão é realmente um objeto polêmico, tanto pela sua descoberta como seus novos aspectos recentemente revelados. Com efeito, em abril de 1980 o astrônomo norte-americano A. R. Walker estimou o diâmetro de Caronte em cerca de 1200 quilômetros.

Dois meses mais tarde, dois astrônomos franceses, D. Bonneau e R. Foy, obtiveram, pelo método da interferometria granular, no telescópio franco-canadense de 3,60 metros de abertura no Monte Mauna-Kea, no Havaí, imagens que permitem separar pela primeira vez o sistema Plutão-Caronte. Anteriormente, os norte-americanos S. J. Arnold, L. Boksenberg e L. W. Sargent já haviam utilizado a mesma técnica para determinar o diâmetro de Plutão.

Determinado o raio da órbita

Agora, os dois astrônomos, além dos diâmetros de Plutão e Caronte, conseguiram determinar com mais precisão o raio da órbita desse satélite. Segundo as últimas determinações, o diâmetro de Plutão é de 2.400km, ou seja, um pouco superior ao da Lua e muito menor que os dois maiores satélites de Júpiter, ou mesmo Tritão, o maior satélite de Netuno.

Para Caronte, encontrou-se um diâmetro de 1.200km, valor esse que rivaliza muito bem com o do planeta ao redor do qual gira. Para um tal sistema, nada melhor do que a denominação de planetóide duplo, pois se Caronte descreve ao redor do centro da massa do sistema um círculo de 13 mil quilômetros de raio, o descrito por Plutão possui um raio de 7 mil quilômetros.

De fato, Plutão e Caronte têm períodos de rotação e de revolução perfeitamente síncronos: isto significa que um observador situado na superfície de Plutão verá Caronte sempre na mesma posição no céu; um observador na superfície de Caronte verá reciprocamente Plutão sempre na mesma posição no céu. A igualdade entre o período de rotação e o período de revolução de Caronte ao redor do planeta não é mera coincidência.

O sistema de planeta duplo Plutão-Caronte gira do mesmo modo que um sólido, como se uma vara rígida unisse os dois corpos celestes, impedindo-os de girar sobre si mesmos.

Atualmente se conhece um mecanismo capaz de explicar tal ocorrência que, no momento, é única no sistema solar. Trata-se de um fenômeno de maré. Todos sabemos que o fluxo e refluxo dos mares e oceanos são provenientes de ação da Lua.

No entanto, é menos evidente o mesmo fenômeno produzido na parte sólida da Terra que se eleva e desce diariamente alguns milímetros. Tal deformação do interior de um planeta se efetua com uma determinada perda de energia que é finalmente retirada do seu movimento.

Desse modo, a Lua se afasta da Terra cerca de quatro centímetros por ano e, ao mesmo tempo, a Terra atrasa em seu movimento de rotação. Tal fenômeno só cessará no dia em que o movimento de rotação for igual ao mês lunar (29 dias). Essa é exatamente a situação em que se encontra o sistema Plutão-Caronte.

Ora, se a atual situação resulta de uma evolução, como acabamos de ver para o sistema Terra-Lua, os fenômenos de maré indicam que Caronte já esteve mais próximo de Plutão. O valor limite dessa grande aproximação não deve ser inferior a 8 mil quilômetros.


Data: 22/08/2006