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Falta pai para os jovens do Brasil dentro e fora de casa

Os cerca de 50 municípios que concentram 50% das taxas de violência não são necessariamente capitais, mas em todos eles é grande a quantidade de pessoas, bem como a desigualdade social e o desemprego

Atualmente a principal causa de morte de jovens brasileiros no mundo como um todo é atribuída a casos de violência.

O dado foi revelado por Maria Cecilia Minayo, da Fundação Oswaldo Cruz, no debate "Os desafios da violência para Saúde Pública", nestaterça-feira.

A atividade fez parte da programação do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública e do 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, promovidos pela Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) que está ocorrendo no Riocentro, na zona Oeste do Rio de Janeiro.

A palestrante centrou sua reflexão apenas na questão da violência.

Na opinião de Cecilia, o assunto é tema novo dentro da perspectiva de saúde pública e, por isso, deve ser concebido dentro de um momento histórico e como um fenômeno de múltiplos sentidos que afetam tanto uma realidade macro - guerras e atentados terroristas - quanto um contexto micro, como acontece nos casos reportados dentro da estrutura familiar.

Entre as diferentes formas de violência, Maria Cecilia optou pela discussão sobre violência social, que seria "a forma de violência reconhecida em todas as sociedades, em todos os temas", e destacou as diferenças constatadas em gêneros e faixas etárias distintos.

De acordo com ela, os casos registrados no Brasil indicam que o número de homens envolvidos em casos de violência é dez vezes superior ao de mulheres. A maior parte desses incidentes está centrada na faixa de 15 a 29 anos de idade.

A pesquisadora revelou ainda que os 50 municípios que concentram 50% das taxas de violência não são necessariamente capitais, mas afirmou que em todos esses lugares é percebida uma densidade demográfica, bem como um nível acentuado de desigualdades sociais e diversos problemas sociais, especialmente o desemprego estrutural.

Um Brasil "sem pai"

Na tentativa de problematizar as raízes do fenômeno, Maria Cecília procurou enumerar modificações relevantes ocorridas na sociedade brasileira nos últimos anos.

A primeira delas teria sido a "onda jovem" que tomou conta do país, que apresenta um maior número de jovens nos últimos tempos, se comparado a períodos históricos anteriores.

O fenômeno vem acompanhado de uma onda adulta que corresponde aos pais desses jovens e, portanto, remete ao boom da década de 60 e suas transformações no comportamento e na forma de cuidar destes pais.

A palestrante também enumerou os fenômenos decorrentes do processo de globalização e mudança das estruturas corporativas que, segundo ela, teriam provocado "um vendaval de mudanças que afetaram diretamente as relações sociais".

De acordo com ela, "havia até então um tipo de contrato social que funcionava como cultura, mas nunca foi realizado de fato".

Essa prática era baseada na legitimidade da autoridade - entendida no sentido mais amplo, incluindo tanto o governo quanto a família - , na expectativa de bem-estar social e econômico, identidade coletiva e na segurança.

"Tudo isso foi cortado de repente pela globalização", explicou.

Os frutos dessa interferência do global no local teriam sido mudanças na estrutura ideológica, nas tecnologias e formas de comunicação, bem como na identidade do país, que acabaram criando certo sentimento de instabilidade - ao que ela se referiu como "uma ausência de pai", fazendo referência à psicanálise.

Ainda de acordo com a pesquisadora tal situação de crise do modelo social teria deixado impactos na juventude que diante de tantas rupturas passou a conviver de forma mais próxima com o fantasma da exclusão social.

Um dos efeitos disto teria sido uma um aumento significativo na taxa de homicídios envolvendo jovens nos últimos anos. Para ela um dos exemplos que ilustra esse sentimento de ausência é o tráfico de drogas.

Novo contrato é necessário

Diante deste sentimento de medo e ansiedade perante um futuro incerto, Maria Cecília apontou a necessidade de um novo contrato social para resolver os impasses atuais da sociedade brasileira.

Para fundamentar sua idéia, ela se fez uma referência a Thomas Hobbes - autor da teoria do contrato social - ao dizer que "toda regressão é um retorno à não-civilização" e afirmou que os problemas do Brasil não seriam os antagonismos inerentes a qualquer sociedade, mas o fato de que, no nosso caso, "os critérios de exclusão são mais problemáticos que os de inclusão", o que colabora pata uma falta de expectativa em relação ao futuro.

Uma das atribuições deste contrato que Cecília propõe seria combater as novas formas de violência, articuladas através de tecnologias de informação.

No entanto, por se autodefinir como "alguém geneticamente otimista", a pesquisadora da Fiocruz disse acreditar que todas essas transformações na sociedade brasileira fazem parte de um período de transição.

Entre as alternativas para melhorar a elevação do padrão de bem-estar social,ela citou o associativismo, o reconhecimento, a educação formal e a segurança pública.

"O contrário da violência não é a não-violência: é a inclusão na cidadania. É olhar para o nosso próximo e poder conversar com ele como igual", finalizou.


Data: 23/08/2006