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Cientistas da UFRJ remontam mamífero de 58 milhões de anos

Pedaços do esqueleto foram encontrados aos poucos por minerador de calcário em 1949

Pesquisadores da UFRJ fizeram a primeira reconstituição na América do Sul de um mamífero que viveu há 58 milhões de anos, após a extinção dos dinossauros.

O Carodnia vieirai era um "gigante dócil" nas palavras da paleontóloga Lílian Paglarelli Bergqvist, coordenadora da equipe que levou 14 meses para montar o bicho. Ele pertencia ao período Paleoceno, que se estendeu de 65 a 11,1 milhões de anos atrás.

"Com a extinção dos dinossauros, os mamíferos que já existiam ficaram livres, sem competidores, e se espalharam. Nesse período (o primeiro da era Cenozóica, que dura até os tempos atuais) surgiram essas bestas, que não deixaram descendentes, e das quais sabemos tão pouco. A reconstituição do Carodnia é o primeiro passo para conhecermos esses animais", acredita Lílian.

O Carodnia vieirai tinha 2,2 metros de comprimento e 1 metro de altura, mais ou menos o que mede uma anta (veja comparação ao lado). Mas era até dez vezes maior do que os mamíferos que surgiram na mesma época e tinham, na maioria, o tamanho de um rato.

Por isso o Carodnia é considerado um gigante. Os dentes com cristas levaram os especialistas a deduzir que era herbívoro - não atacava outros animais. Como gramíneas não eram abundantes no Paleoceno, é possível que se alimentasse de ramos e flores.

Por acaso

A mandíbula de 30 centímetros do Carodnia brasileiro foi encontrada em 1949 pelo operário José Vieira, que trabalhava numa mina de extração de calcário em Itaboraí, a 30 quilômetros do Rio.

A Bacia de Itaboraí, apesar de pequena, contém pérolas para os paleontólogos brasileiros. Mas não era fácil para os pesquisadores ir a campo naquela época. Muitas vezes os operários guardavam os ossinhos que iam encontrando, como fez Vieira.

Ele mantinha os ossos que achava e entregou ao paleontólogo Carlos de Paula Couto, que, numa homenagem, batizou a espécie com o sobrenome do operário, ao descrevê-la em 1952.

"Era um animal muito diferente dos que eram encontrados e foi classificado na ordem Xenungulata. 'Xeno' quer dizer estranho", explica Lílian.

Vieira encontrou entre 50% a 60% dos 120 ossos que compõem o mamífero. A equipe de Lílian precisou recriar o restante. O mais difícil foi o crânio.

Para remontar esses ossos, a paleontóloga analisou parentes muito distantes do Carodnia, como os mamíferos das ordens Dinocerata (norte-americano) e Astropotheria, da Argentina. O parente mais próximo não foi de grande ajuda - os argentinos só encontraram os dentes do bicho.

Depois de recompor os ossos, foram feitos moldes para que o mamífero fosse reconstruído. "Esses fósseis são muito raros para serem furados. E merecem ser estudados por outros grupos", diz Lílian.

Surpresas

Ao fim do trabalho, os pesquisadores foram surpreendidos por algumas características inesperadas do maior mamífero fóssil brasileiro do Paleoceno.

Os pés do Carodnia vieirai são menores do que as mãos, o que indica que ele usava mais as patas dianteiras. Descobriram também que o maxilar do bicho só se assemelha ao do peixe-boi, e não aos dos demais mamíferos. Os pesquisadores ainda não encontraram explicações para essas características.

A próxima fase do trabalho será o estudo da musculatura e da pele do Carodnia vieirai, que levará dois ou três anos para ser concluída.

"A paleontologia é mais do que dinossauros. Há outros bichos diferentes e tão intrigantes quanto eles. Queremos trazer essas espécies para o público", afirma Lílian.

O trabalho de reconstrução do mamífero custou cerca de R$ 500 mil em equipamentos, material, laboratórios e mão-de-obra.

O financiamento foi da decania do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, da UFRJ, da Fundação José Pelúcio Ferreira, da Fundação de Amparo à Pesquisa do RJ (Faperj) e do CNPq.

Bacia de Itaboraí guarda jóias da paleontologia

A Bacia de Itaboraí é quase uma caixinha de jóias para paleontólogos e geólogos. É tão pequena (500 metros por um quilômetro de extensão) que nem está nos mapas das bacias sedimentares do País.

Mas escondeu preciosidades, como a preguiça gigante, o mastodonte, marsupiais, o mais antigo ancestral do tatu e outras 60 espécies diferentes.

Esses fósseis só foram descobertos porque ali instalou-se da década de 20 a fábrica de Cimento Mauá.

Enquanto os operários abriam a rocha para retirar o calcário que serviu de matéria-prima para a Ponte Rio-Niterói, o Maracanã e o Aeroporto Internacional do Galeão, achavam também fósseis de moluscos, sementes, folhas e vertebrados.


Data: 23/08/2006