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Já é bastante conhecido o pensamento de que pobreza causa doença, mas o processo não é tão simples assim"

Muito além da epidemiologia tradicional

"Não adianta apenas tratar as pessoas doentes e devolvê-las às mesmas condições que as fizeram adoecer".

Esse foi o alerta do epidemiologista inglês Michael Marmot, diretor da Comissão de Determinantes Sociais da Saúde (CSDH, na sigla em inglês) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pesquisador da Universidade College London, exposto nos debates do 11º Congresso Mundial de Saúde Pública e do 8º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva.

A questão aborda um dos eixos condutores dos encontros, que terminam nesta sexta-feira (25/08), no Riocentro, sob o tema "Saúde coletiva no mundo globalizado: rompendo barreiras sociais, econômicas e políticas".

Em painel apresentado na terça-feira (22/8), pesquisadores brasileiros apresentaram dados, avanços metodológicos e lacunas existentes no conhecimento relativo a determinantes sociais da saúde.

A epidemiologista Dora Chor, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, iniciou o debate definindo e explicando o que são esses determinantes.

Estão incluídos no grupo fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos, raciais, comportamentais e psicológicos.

"Já é bastante conhecido o pensamento de que pobreza causa doença, mas o processo não é tão simples assim", explicou.

"Devemos considerar diversos processos de natureza distinta, muitos fatores que se influenciam mutuamente. Essas são as bases do que chamamos de uma epidemiologia social, ou seja, que não está voltada apenas para a ocorrência de doenças, mas para as situações em que estão os indivíduos expostos a elas".

Nesse contexto, chamam atenção as desigualdades, por exemplo, entre as regiões do país ou os níveis de renda da população. Paralelamente, o acesso aos serviços de saúde também é diferenciado.

"A população mais pobre e necessitada desses serviços é a que menos os procura", alertou Cláudia Travassos, do Centro de Informação Científica e Tecnológica (Cict) da Fiocruz.

"Alguns fatores que contribuem para isso são a 'peregrinação' que eles têm que fazer pelos hospitais e postos de saúde até serem atendidos, a baixa qualidade dos serviços prestados, a discriminação exercida pelos profissionais de saúde e a falta de informação sobre o direito aos serviços".

Em busca de soluções

Para a elaboração de políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades em saúde, é preciso, antes, fazer um diagnóstico preciso da situação em que se encontram os diversos grupos populacionais do país.

É nessa perspectiva que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome vem desenvolvendo estudos sobre indicadores sócio-econômicos adaptados aos contextos das diversas regiões brasileiras.

"Hoje, temos uma maior compreensão das determinações sociais da saúde", afirmou o secretário de Avaliação e Gestão do MDS, Rômulo Paes Souza.

"Sabemos da importância de traçar linhas precisas de indigência e pobreza para decidir onde a ação do governo é mais necessária e traçar prioridades".

Como exemplo da atuação do Ministério, o epidemiologista citou o programa Bolsa Família, instituído em 2003.

Uma resposta a essa problemática exposta no debate foi a criação, por decreto presidencial de março deste ano, da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), cujas atividades estão baseadas em produção de conhecimento, avaliação e apoio a programas e mobilização da sociedade civil.

A comissão, formada por 17 representantes de diversos setores da sociedade brasileira, pretende transformar pesquisas em ações públicas concretas.

"Temos um compromisso com a definição de políticas que tenham impacto sobre os determinantes sociais da saúde", expôs o secretário-geral da CNDSS, Alberto Pellegrini. Até agora, o Brasil é o único país no mundo que conta com a sua própria comissão, expandindo os ideais da comissão da OMS.

Experiência mundial e possíveis áreas de atuação

A essência do trabalho da comissão nacional foi melhor esclarecida pela exposição de Cesar Victora, membro da CNDSS. O sanitarista, que também é pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), focou sua apresentação na questão da mortalidade infantil.

"Todos os anos, no mundo inteiro, morrem cerca de 10,5 milhões de crianças com menos de 5 anos", apontou. "Dessas, cerca de seis milhões de mortes poderiam ser evitadas com tecnologias de prevenção e cura já disponíveis e de baixo custo".

Um dos papéis de órgãos como a CNDSS seria, então, incentivar a adoção de medidas simples e eficazes contra esse tipo de problema, preocupando-se sobretudo com as ações sobre os determinantes sociais da saúde que poderiam reduzir as desigualdades de acesso aos serviços entre os diferentes grupos sociais.

Segundo Victora, em mais da metade das mortes infantis a desnutrição é um fator associado que poderia ser evitado com esse tipo de política. "A eqüidade precisa ser incorporada no planejamento, implementação e avaliação dos serviços de saúde", salientou o pesquisador.

No mesmo debate, Marmot apresentou pesquisas e ações públicas realizadas em diversos países voltadas para os determinantes sociais da saúde como condições de vida na infância, exclusão social, condições de trabalho, transporte e alimentação, stress e dependência de álcool, drogas e tabaco, entre outros.


Data: 25/08/2006