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Ex-bolsistas devem R$ 97,6 milhões ao país

CNPq e Capes cobram dívida de 659 estudantes que não voltaram ao Brasil ou não concluíram o curso no exterior

Depois de estudar nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa com tudo pago pelo governo brasileiro, estudantes de pósgraduação abandonam o curso, deixam de defender a tese ou ignoram a exigência de voltar ao país.

Estão nessa situação 659 ex-bolsistas do CNPq e da Capes, segundo balanço dos dois órgãos. A dívida atinge pelo menos R$ 97,6 milhões.

O CNPq e a Capes dizem que seu maior objetivo é garantir que os estudantes concluam a pós-graduação.

Os ex-bolsistas podem terminar o curso numa universidade brasileira ou permanecer mais tempo no exterior, por conta própria, até receber o diploma.

A cobrança só ocorre em último caso, quando os processos são encaminhados ao Tribunal de Contas da União (TCU). A negociação leva anos.

Um bolsista de doutorado no exterior custa, em média, US$ 100 mil aos cofres públicos, em quatro anos.

O desembolso cobre passagens aéreas, inclusive para cônjuges e filhos; taxas e mensalidades universitárias; e a bolsa propriamente dita, de US$ 1.100 mensais para despesas pessoais, com acréscimo de US$ 200 por dependente, limitado a US$ 800.

Antes de viajar, o aluno assina um termo de compromisso assumindo a responsabilidade de conquistar o diploma e voltar ao Brasil, onde deverá permanecer pelo menos por igual período ao que ficou fora.

O presidente da Capes, Jorge Guimarães, diz que a fiscalização foi intensificada em 2004.

A auditoria interna passou um pente-fino nas bolsas concedidas desde 1990 e que permaneciam em aberto, isto é, sem que os estudantes comprovassem a conclusão do curso e o retorno ao Brasil. No CNPq, o esforço começou em 1996, e rastreou processos desde 1977.

Segundo Guimarães, o controle pretende combater a fuga de cérebros, impedindo que estudantes viajem cogitando ficar no exterior. Entre os motivos que levam brasileiros a não voltar estão o casamento e a oferta de bons empregos lá fora.

"Não é justo a pessoa ser pouco responsável. A sociedade aplicou recursos na sua formação."

"A maioria dos bolsistas retorna ao país", diz Guimarães.

TCU condena 118 beneficiados a devolver recursos
Só eles teriam que ressarcir Estado em R$ 18 milhões

O TCU já condenou 118 ex-bolsistas do CNPq a pagar R$ 18 milhões. Outros 43 estudantes que se beneficiaram de recursos da Capes (R$ 4,7 milhões) estão sendo julgados.

Os dois órgãos estimam que a dívida total dos ex-bolsistas supera os R$ 97,6 milhões, porque boa parte dos processos não teve os valores atualizados. E os casos ainda em fase inicial de análise de auditorias ficaram fora do cálculo.

O ex-bolsista do CNPq Bernard Bastos Lavelle abandonou o doutorado em história que fazia na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais na França, no fim dos anos 90.

Ele diz que teve problemas com o orientador e reclama de falta de apoio do CNPq para trocar de universidade ou encontrar uma solução. O ex-bolsista vive em Paris, onde virou empresário de turismo.

Condenado pelo TCU a devolver R$ 63 mil, diz que consultou advogados em Brasília e decidiu não pagar.

- Não há conseqüência alguma - afirma Lavelle.

O secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (MEC), Ricardo Henriques, deixou de ser bolsista da Capes em 1998.

Ele foi à França fazer doutorado em economia, na Universidade de Paris. Cursou todas as disciplinas em quatro anos, mas não defendeu a tese.

Para a Capes, órgão vinculado ao MEC, Henriques é inadimplente.

Levantamento feito pelo site Contas Abertas a pedido do GLOBO revela que a Capes inscreveu 73 ex-bolsistas no Cadin (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Federais), entre eles o secretário.

Ricardo Henriques afirma que não concluiu o doutorado porque mudou de tema duas vezes. Atualmente, negocia com a Capes a possibilidade de retomar o curso no ano que vem.

"Não me cria nenhum constrangimento."

"Fiz um doutorado, não defendi a tese. O processo é regular. Há um acordo com a Universidade de Paris, o orientador e a Capes para fazer a tese no ano letivo de 2007 e 2008", diz Ricardo Henriques.]

Antes de assumir o cargo no MEC, ele foi secretário-executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social na gestão da ex-ministra Benedita da Silva.

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, Elisa de Campos Borges, critica os bolsistas que abandonam o curso ou deixam de defender a tese. Para ela, é preciso analisar caso a caso.

Mas a questão de fundo, argumenta, é a falta de opções de trabalho no Brasil para quem volta com o título de doutor:

"O problema central é criar as condições para que o mercado brasileiro absorva esses profissionais altamente qualificados", diz Elisa.


Data: 28/08/2006